19/06/2017 Nexo jornal
"O sistema tributário brasileiro beneficia os mais ricos - e isso ajuda a perpetuar a desigualdade no país". A afirmação é do economista Rodrigo Octávio Orair, coautor de um estudo inédito do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) da ONU (Organização das Nações Unidas).
O tamanho da desigualdade
De acordo com o estudo, 10% da população concentra 52% da renda. 1% responde por 23,5%. E 0,05%, por 8,5% de toda a renda. Estes últimos são apenas 71 mil pessoas, uma população equivalente à do bairro de Moema, em São Paulo. Cada um recebeu, em média, uma renda de R$ 4,1 milhões em 2013. O gráfico abaixo compara a concentração de renda do Brasil em relação a alguns outros países com dados disponíveis. Cada cor de barra representa um país, e cada barra o percentual de renda concentrado. Sob cada grupo de barras está indicado um percentual da população, do 1% ao 0,05% mais rico. Em todos os casos, a concentração brasileira é consideravelmente maior.
Regressividade dos Impostos
O estudo defende que um dos principais motivos pelos quais a renda é concentrada é a baixa progressividade dos impostos no país. Os autores calculam que a alíquota efetiva média paga pelos 0,05% mais ricos chega a apenas 7%, enquanto a média nos estratos intermediários dos declarantes do imposto de renda chega a 12%. Uma estrutura tributária é dita progressiva quando aqueles que recebem mais renda arcam com mais impostos. Quanto mais progressivo o sistema tributário, maior, relativamente, a cobrança sobre os mais ricos. Quanto mais regressivo, maior a carga sobre os mais pobres. Segundo o estudo, as principais limitações à progressividade dos impostos no Brasil estão ligadas à forma como são tributadas as rendas do capital. Enquanto a taxação das rendas do trabalho ocorre de forma progressiva, de acordo com tabela de alíquotas crescentes para faixas de renda mais altas, algumas mudanças introduzidas em 1995 reduziram o nível de tributos sobre as rendas do capital.
Mudanças que diminuíram impostos sobre as rendas do capital
Fim do imposto sobre dividendos
Os dividendos distribuídos a acionistas de empresas, que antes eram tributados em 15% na pessoa física, passaram a não ser taxados. Ou seja, quando alguém recebe sua parcela de lucro como acionista de uma empresa no Brasil, não precisa pagar impostos sobre o valor. Isso não quer dizer que o lucro fique sem nenhuma tributação. 34% de impostos são cobrados sobre o lucro das empresas no Brasil, o que reduz a renda dos acionistas. A mudança apenas concentra a cobrança no momento em que o lucro ainda está com a companhia, antes de o dinheiro ser transferido para o acionista. Dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), apenas a Estônia tem dividendos totalmente isentos de imposto de renda. A organização reúne 34 países que adotam a democracia representativa e o livre mercado e que, em geral, tem elevado poder aquisitivo.
Instituição dos juros sobre capital próprio
Os juros sobre capital próprio (JSCP) são uma forma alternativa de a empresa distribuir lucro a seus acionistas. Em vez de ratear os ganhos por meio de dividendos, a empresa distribui JSCP aos acionistas e contabiliza esse valor como se fosse um gasto. Nesse caso, a tributação fica a cargo do acionista (pessoa física), que paga sobre os JSCP recebidos um imposto de 15%. E o lucro contabilizado pela empresa fica menor, o que reduz o imposto a ser pago por ela antes da distribuição de dividendos. A cobrança de impostos sobre os lucros pode, portanto, recair sobre a empresa ou sobre o acionista pessoa física. A introdução destas duas alterações em 1995 reduziu a tributação total sobre o lucro distribuído aos acionistas. Em simulação feita no estudo, os impostos totais efetivamente cobrados sobre o lucro caem de 43,9% para 28,1% após as mudanças (os autores assumem que 30% do lucro é repassado aos acionistas via JSCP). Além disso, os autores argumentam que esta é a situação que prevalece entre as grandes empresas. Nas empresas de médio e pequeno porte os níveis de tributação do lucro são ainda mais baixos, chegando a, no máximo, 10,88% do faturamento. Mesmo quando a empresa não distribui JSCP, o máximo de impostos totais cobrados sobre lucros, somando a parcela das empresas e dos acionistas, é de 34% no Brasil hoje, valor que fica abaixo daquele aplicado em muitos outros países.
Quanto os países da OCDE cobram em impostos sobre o lucro
França 64,4%
Finlândia 64,0%
Estados Unidos 57,6%
Irlanda 57,1%
Dinamarca 55,2%
Brasil 34,0%*
Grécia 33,4%
Nova Zelândia 33%
Hungria 32,0%
República Tcheca 31,2%
Eslováquia 22,0%
Estônia 20,0%
*O Brasil não integra a OCDE. A alíquota de 34% levada em consideração se refere a casos em que não há nenhum desconto de impostos.
Isenção contribui para concentrar renda
A menor taxação das rendas do capital beneficia aqueles que são donos de ações. Lucros e dividendos foram, em 2013, distribuídos a 2,1 milhões de pessoas, apenas 7,9% dos declarantes, com maior presença de pessoas do topo da pirâmide de renda. Entre os declarantes com rendimentos superiores a R$ 1,3 milhão por ano, 72% recebem lucros e dividendos. A redução dos impostos sobre a renda do capital (na forma de dividendos e JSCP), que é menos tributada do que o salário de muitos dos que ocupam as parcelas menos favorecidas, gera regressividade na estrutura tributária. Dois terços dos rendimentos dos 0,05% mais ricos do país é isenta de qualquer incidência tributária, segundo o estudo, proporção superior a qualquer outra faixa de renda. O trabalho também ressalta que a distribuição de lucros e dividendos para acionistas aumentou entre 2007 e 2013 em um ritmo 41% superior ao do PIB.
R$ 287 bilhões foram distribuídos como lucros e dividendos em 2013
“Não são necessárias grandes análises para perceber que a isenção de lucros e dividendos implica renúncia substancial de receitas para o governo e favorece a concentração de renda.”
Sérgio W. Gobetti e Rodrigo Orair Autores do estudo 'Tributação e distribuição de renda no Brasil'.
Em entrevista à BBC, o argentino Facundo Alvaredo, que integra a equipe do economista francês Thomas Piketty, autor do livro “O Capital no Século XXI”, que pesquisa desigualdade mundialmente, afirmou: “É importante ressaltar que algum grau de desigualdade é importante para gerar incentivos [econômicos]. O ponto aqui é que os incentivos não parecem exigir níveis tão altos de desigualdade como os observados em muitos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil"
Facundo Alvaredo Economista.
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