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06/04/2009 CORREIO BRAZILIENSE
Opinião - Gestão pública como bandeira política?
Humberto Laudares*
Minas Gerais tem sido o palco de uma consistente transformação na gestão pública. Os resultados desse processo, denominado choque de gestão, são significativos e conhecidos, de tal modo que permitiram com que o nome do governador Aécio Neves seja cogitado para a Presidência da República. A pergunta que fica é: a melhoria da Gestão Pública é uma bandeira política legítima para o Brasil?
A gestão pública não é fim em si mesma — é um meio. Quando bem empregada, traduz-se em melhores serviços públicos e no uso mais eficiente dos recursos provindos de tributos pagos pelos cidadãos. Quando mal-empregada, é um meio de desperdiçar recursos públicos, facilitar práticas de corrupção e distorcer políticas redistributivas em um país tão desigual como o Brasil.
Esses motivos, por si só, fazem da gestão pública tema relevante para o debate. Em recente estudo do Banco Mundial, do qual participei, comparamos as trajetórias de reformas da gestão pública realizadas pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da América Latina nos últimos 20 anos. Como o Brasil se posiciona em relação a tais países? Não precisamos nos preocupar com gestão pública? Se, por um lado, o Brasil está em uma situação bem melhor que a maioria dos países da América Latina, por outro ainda encontra-se bem distante dos países desenvolvidos.
Entre os países latino-americanos, a administração pública brasileira e chilena são as mais bem avaliadas. Embora o Brasil conte com burocracias baseadas no mérito, ainda possui alto grau de indicação política para cargos em comissão. Não nos posicionamos tão bem em termos de efetividade do governo. O Banco Mundial possui indicador de efetividade que captura a percepção da qualidade da administração e dos serviços públicos, do nível de independência de pressões políticas, e da qualidade de formulação e implementação de políticas públicas. O Brasil posicionou-se (2007) em 53º lugar de um total de 212 países. Estamos atrás do Chile, Uruguai, Costa Rica, México, Panamá e Colômbia. Na América Latina, a preocupação com o desempenho do governo é tópico recente e, ainda, confinado a círculos tecnocráticos. Além disso, como paliativo para falta de revisão sistemática da própria administração pública, os governos latino-americanos fazem uso excessivo e crescente de órgãos da administração indireta, na busca por maior agilidade e flexibilidade. Entretanto, essas “ilhas” contribuem para que a organização do setor público seja desintegrada, gerando ineficiências sistêmicas.
Comparado aos países da OCDE, o Brasil parece ter mais desafios e trabalho à frente. Os contextos são diferentes, obviamente; os exemplos precisam ser interpretados com cuidado e seletividade, porém é possível utilizarmos o mesmo sistema operacional, as técnicas de gestão. Há, também, sempre espaço para inovação.
Os países da OCDE passaram por reformas nos últimos anos como resultado da insatisfação de cidadãos e políticos com relação às atividades e à forma de operação do governo. Os maiores problemas derivaram-se do aumento do tamanho do setor público e da complexidade de sua estrutura organizacional. O foco das reformas centrou-se na melhoria do desempenho do governo e da responsividade da máquina administrativa a prioridades dos políticos eleitos. Inegavelmente, as reformas melhoraram a produtividade e a qualidade do setor público, mesmo que tenha havido algumas consequências não esperadas.
Na Améria Latina, ainda estamos procurando reforçar as bases de um serviço público imparcial e meritocrático, movimento que os países da OCDE concluíram no século 19. Esse processo, entretanto, tem sido descontínuo. Promover um sistema público baseado em regras meritocráticas é obra inacabada em nossa região. Agregar medidas de desempenho a tal sistema é desafio e, possivelmente, oportunidade promissora.
Há muito que se fazer pela gestão pública na América Latina e no Brasil. É o que o estudo do Banco Mundial nos aponta. Não precisamos de mais retórica, tampouco de processos interrompidos ou revertidos por oportunismos políticos. Em 2003, o governo mineiro tomou a decisão de levar a gestão pública a sério. Mostrou um caminho inovador. O caminho de uma boa gestão pública pavimenta maior confiança no governo e maior legitimidade em se promover reformas e políticas públicas progressistas. É uma passagem necessária rumo a um desenvolvimento mais ambicioso e sustentável. O caminho de uma boa gestão pública é, sem dúvida, uma bandeira política legítima para nosso país.
*Mestre em política econômica pela Universidade de Columbia (EUA), graduado em administração de empresas pela FGV e em ciências sociais pela USP, consultor do Banco Mundial em políticas públicas