14/04/2009 JORNAL HOJE EM DIA
Técnico em manutenção, Ricardo Ventura, 28 anos, ganha R$ 1.000,00 por mês. Entretanto, afirma que chega a usufruir só cerca de R$ 600,00 desse total. Calcula que, em média, R$ 400,00 ficam para pagar impostos. Segundo o relator da reforma tributária, deputado Sandro Mabel (PR-GO), com as alterações previstas nos encargos fiscais do país, Ventura e outros brasileiros que ganham até dez salários mínimos deverão ter 20% a mais de dinheiro no bolso no fim do mês. (Leia entrevista nas páginas 8 e 9). Contudo, especialistas questionam a tese de Mabel, alegando que a reforma não passa de “propaganda política” e o consumidor e a parcela mais pobre da população serão os maiores prejudicados nessa história. “Vender essa ideia é uma farsa”, ataca o economista e consultor legislativo Roberto Piscitelli.
De acordo com Mabel, 48% do salário do brasileiro é usado para pagar impostos, direta ou indiretamente. Pelo projeto da reforma, esse percentual seria reduzido a 28%. Uma das medias para que isso ocorra é a isenção de ICMS nos produtos que integram a cesta básica. A redução da carga incrementaria o bolso de Ventura com R$ 200,00 a mais no fim do mês, que em suas pretensões, iriam para uma poupança, para usar em casos de emergência.
Na visão de Piscitelli, não é isso que vai ocorrer, apesar de reconhecer a necessidade de uma reforma no setor. “A reforma vai tratar, a grosso modo, de como financiar o Estado. Ela é voltada para o interesse empresarial, para o setor produtivo”, resume. De acordo com ele, o aspecto fundamental de uma mudança no sistema de arrecadação de impostos seria ter como princípio a justiça tributária. “É necessário equalizar as diferenças. Isso não existe nessa reforma”, revela. O consultor completa dizendo que dificilmente a população sentirá os benefícios da proposta.
A empregada doméstica Solange Damião, 27 anos, concorda. “Duvido que a favor da população. Ganho R$ 700,00 por mês e não sobra nada, pagando aluguel e impostos, tanto os que a gente sabe que paga, quanto os que não sabemos, que vêm incluídos no preço dos produtos”, aponta. Ela acredita que o governo cobrará a conta da população se fizer cortes nos encargos fiscais. “O governo não vai tirar do próprio bolso”, diz.
Risco à seguridade social
A seguridade social deverá perder R$ 27 bilhões por ano com a reforma tributária. Ou seja, saúde, previdência e assistência social receberão menos investimentos. A afirmação é da presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), Assunta Di Dea Bergamasco. Isso porque a proposta, segundo ela, na tentativa de simplificar o sistema tributário agrega impostos e extingue contribuições sociais.
“Vimos que, pela proposta, 39% de toda a arrecadação para a seguridade são retirados. A medida penalizará as áreas mais carentes, especialmente a saúde, porque é ela quem sofre quando o orçamento está vulnerável”, avalia Assunta.
Para ela, é contraditório um governo que cresceu em cima de ações sociais prejudicar justamente essa área na hora de promover uma reforma. “Até o salário educação que vem da taxa de 2,5% em cima da folha de pagamento e é uma contribuição social vai virar imposto. Esse dinheiro é usado na educação básica”, diz.
MUDANÇAS SIGNIFICATIVAS
As críticas de Assunta são baseadas em dois pontos da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária que aguarda votação no plenário da Câmara. Ela cria o Imposto sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F), que deverá substituir a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e o Salário Educação, que incide sobre a folha de pagamentos. Também incorpora ao Imposto de Renda (IR), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
O presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), Rogério Macanhão, se diz favorável ao projeto, mas não da forma como está sendo conduzido. Explica que a reforma prevê uma centralização tributária. Significa que 93,2% do total de tributos recolhidos serão legislados pela União. Ela dividirá com estados e municípios o que receber com as receitas do IVA, do Imposto dobre Produtos Industrializados (IPI) e a do IR, somado aos tributos incorporados. “A União definirá a distribuição da arrecadação o que beneficiará algumas áreas em detrimento de outras, já carentes de investimento. Estados e municípios, que ficarão cada vez mais dependentes do Governo federal. Não acarreta em mais receitas para os estados”, analisa o presidente da Fenafisco.
Macanhão acredita que os beneficiados pela reforma serão os grandes conglomerados, especialmente as multinacionais. “A reforma vai trabalhar a questão da guerra fiscal. A existência da Zona Franca de Manaus, com todos os incentivos fiscais, foi prorrogada de 2013 para 2033”, argumenta.
Na reforma está previsto ainda que o ICMS, principal tributo estadual, terá alíquotas uniformes em todo o país, e sua legislação passa a ser federal. Os estados não legislarão mais sobre o imposto e não terão mais o direito de conceder incentivos fiscais para atrair empresas. As mercadorias da cesta básicaso, serão isentos de IVA e ICMS.
Período Crítico
À frente da Comissão de Acompanhamento da Crise Financeira e da Empregabilidade no Senado, Francisco Dornelles (PP-RJ) avalia que não é o momento para se promover uma reforma tributária, devido ao “período de turbulência” provocado pela crise. “Acho que deve-se esperar mais. Tenho dúvidas se é o momento certo”, diz. Assunta compartilha a opinião. “A reforma foi planejada em um momento de recorde de arrecadação. Agora estamos em queda. Deve ser repensada”, argumenta.