Cada vez mais, a questão ecológica se apresenta como um aspecto de relevante importância para a gestão em todas as áreas de governo. Na administração tributária, a situação que remete a uma ligação com a sustentabilidade ambiental é analisada pela procuradora fazendária e professora universitária Denise Lucena, que teve seu artigo originalmente publicado na edição número quatro da Revista Enfoque Fiscal (Dez/ 2012).
Confira abaixo.
Denise Lucena Cavalcante [1]
SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA EM PROL DA SUSTENTABILIDADE
AMBIENTAL é o tema na pesquisa de Pós-Doutorado na Universidade de Lisboa, sob
a orientação do Professor Catedrático Eduardo Paz Ferreira. O tema é uma dos
mais palpitantes no contexto contemporâneo, não só no Brasil, como em todo o
mundo.
A perspectiva contemporânea da tributação voltada à
proteção do meio ambiente torna imprescindível a sistematização das diretrizes
fisco-ambientais.
O caminho para ligar a tributação à sustentabilidade
ambiental não deve ser simplesmente
onerar as empresas através de novos tributos ambientais. Também não poderá o
tributo ser caracterizado como uma sanção.
Muito mais eficaz que criar novos tributos, num país já
de elevadíssima carga tributária, é a adoção de incentivos fiscais para as
empresas que investirem na proteção ao meio ambiente, é o que prevê o princípio
do protetor-recebedor.
O momento é de permitir a inovação fiscal na adequação
dos tributos às atuais exigências ambientais e esta deve ser necessariamente
por meio de uma diretriz governamental. O Estado tem que assumir seu papel de
sujeito ativo nesta fase de transição para novos modelos econômicos ditos
verdes.
Defendemos que o Direito Tributário
brasileiro deve ampliar seu foco para dar diretrizes à sustentabilidade
ambiental. A sustentabilidade está diretamente relacionada com a boa governança
focada no desenvolvimento econômico comprometido com o meio ambiente
[2]
.
Não se trata simplesmente de reduzir a discussão ao
tributo ecológico. Na verdade, sequer defende-se um conceito próprio de tributo
ambiental, pois não se trata de uma espécie tributária distinta das que estão
em curso. Ao contrário, a tributação ambiental não preconiza uma espécie
tributária nova, mas, sim, uma reordenação do sistema tributário com foco na
sustentabilidade ambiental.
Embora a crise ambiental seja universal, os países estão
em diferentes no grau de evolução desta crise. Enquanto no âmbito da União
Europeia, por exemplo, avançam as discussões e aperfeiçoamento da cobrança de
tributos sobre a poluição, como o carbon
tax, já buscando definir preços sobre as emissões do gás carbônico - CO2,
países como o Brasil e muitos outros da América Latina ainda lutam para inserir
em sua cultura a reciclagem do lixo doméstico, utilizando a redução de tributos
para fomentar a educação ambiental.
Deve ser utilizado o critério ambiental em todo o sistema
tributário, não no sentido de criar novos tributos, o que comumente teria o
implícito caráter punitivo, mas sim, que os tributos já existentes sejam também
utilizados para a proteção ambiental, a exemplo do que já vem acontecendo hoje
com o IPTU e IPVA.
Os incentivos fiscais têm sido no Brasil o melhor
instrumento fiscal para fomentar a mudança de postura dos cidadãos e dos
empresários. Como afirmado anteriormente, essa fase de concessão de incentivos
é bem característica da tese do protetor-recebedor, que com o tempo chegar-se-á
ao equilíbrio de já ter incorporado nas atividades empresariais a
obrigatoriedade de boas práticas ambientais, passando a vigor assim, o próximo
estágio da sustentabilidade que será o de não-protetor=infrator.
Muitos são os exemplos da tributação ambiental no Brasil.
No âmbito municipal o Imposto Predial e
Territorial Urbano (IPTU) tem sido cada vez mais voltado para o fomento à
proteção ambiental. O chamado IPTU Verdetrata de benefícios fiscais concedidos à população, mediante a adoção dos
princípios da sustentabilidade nas edificações. Destacam-se alguns exemplos,
dentre muitos: Município de Guarulhos, através da Lei 6.793/2011, elenca um rol de atividades que propiciam a
redução de alíquotas, tais como: arborização - imóveis com uma ou mais
árvores terão desconto de até 2% no
valor anual do IPTU; sistema de captação de água de chuva – 3% de
desconto; sistema de aquecimento hidráulico solar – 3% de desconto e
sistema de aquecimento elétrico solar 3% de desconto; construções com
materiais sustentáveis – 3% de desconto; utilização de energia eólica –
5% de desconto etc.
Porto Alegre,
também através da Lei Complementar n. 482/2002, prevê a isenção de IPTU
para área urbana considerada de interesse ecológico. O município de Natal prevê isenção de até 50%
para propriedades que possuam vegetação arbórea de preservação permanente e
integração do meio ambiente artificial e natural (Lei n. 301/2009). O município
de Bocaína/SP através da Lei n.
2.209/2008 concede descontos do IPTU para as propriedades que possuam lixeiras
suspensas e árvores plantadas.
Recentemente o Rio de Janeiro, criou o Selo Qualiverde,
através do Decreto n. 35.745/2012 que prevê benefícios fiscais para a construção de prédios verdes,
com descontos de até 50%, ou mesmo, isenção de IPTU e ITBI, além de redução de
ISS durante as obras e após o habite-se.
Espera-se que essa
medida sirva de exemplo para os demais municípios brasileiros, principalmente
agora que cresce o número de construções sustentáveis, sendo o
Brasil o quarto país no ranking mundial de
construções verdes, com 46 prédios certificados e 506 em processo de
certificação, atrás apenas dos Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos e China
[3]
.
O Leed (Leadership in Energy and Envirnonmental Design),
criado pelo U.S. Green Building Council e
implantado no Brasil em 2007, é um
sistema classificado por níveis de condutas ambientalmente corretas e é o que
mais certifica no país. Este sistema
fornece padrões e diretrizes de projetos para poder medir a eficiência e a
sintonia com o meio ambiente. As categorias de desempenho avaliadas pelo
sistema do U.S. GBC são:
desenvolvimento sustentável do local; eficiência da água; energia e atmosfera;
materiais e recursos; qualidade ambiental interna; inovação e processo de
projeto.
Em Fortaleza, por exemplo, o LC Corporate Green Tower é o primeiro edifício comercial com Pré-certificação LEED Silver (Leadership in Energy and Environmental Design). O projeto segue os modernos conceitos de sustentabilidade, maximizando o aproveitamento de recursos como energia e água, além de minimizar seus impactos ambientais.
No setor energético, a Resolução n. 482/2012 da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL promoveu um estímulo a geração de energia limpa no Brasil, estabelecendo condições gerais para acesso de microgeração e minigeração de energia em residências e condomínios, prevendo o sistema de compensação de energia elétrica.
Também o Imposto
sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA vem sendo denominado de IPVA
Verde, quando voltado ao fomento à circulação de carros mais eficientes no
controle da emissão de gases. Já são sete estados brasileiros com alíquota zero
para veículos não poluentes. São eles: Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio
Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Sergipe. Em Mato Grosso do Sul, Rio de
Janeiro e São Paulo as alíquotas para os veículos não poluentes são reduzidas.
Recentemente o Rio de Janeiro anunciou uma medida
pioneira no Brasil, que será a criação da Nota
Verde com previsão de maiores descontos do IPVA para os carros novos menos
poluentes a partir de 2013. Também há previsão de maior controle para os carros
antigos e que causem maior poluição, tal qual já ocorre em muitos países da
Comunidade Europeia.
No âmbito federal, o governo anunciou
através da Lei n. 12.715, de 17/09/2012, o novo regime automotivo brasileiro - Inovar-Auto que será válido entre 2013
e 2017, cuja regulamentação está prevista no Decreto n. 7.819, de 03/10/2012.
Nessa legislação há a previsão de redução do IPI como incentivo as empresas que
invistam em processos de fabricação e uso de componentes mais eficientes para
reduzir o consumo de combustíveis e minimizar a poluição. A intenção do novo
regime é propiciar a elaboração de carros mais eficientes, modernos, baratos e
com menos emissão de carbono.
O ICMS Ecológico,apesar de não tratar propriamente de um tributo, mas sim, de transferência da
receita desse imposto aos municípios, funciona como um incentivo aos municípios
que incrementem sua gestão ambiental, proporcionando um maior índice de
participação no montante do ICMS arrecadado. Ele tem fulcro no art. 158 da
Constituição Federal brasileira que permite aos Estados definir em legislação
específica, parte dos critérios para o repasse de recursos do ICMS aos seus municípios,
que no caso são elaborados com base em indicadores ambientais. Muitos são os
Estados brasileiros que já adotam o ICMS Ecológico, destacando: Acre, Amapá,
Ceará, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná,
Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo e
Tocantins
[4]
.
Entre as medidas que ainda estão no papel, destaca-se o
Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 1, de 2012, que pretende alterar o
artigo 150 da Constituição para "instituir
imunidade de impostos incidentes sobre produtos elaborados com material
reciclado ou reaproveitado”. A
previsão do incentivo fiscal merece destaque, porém, entende-se desnecessário o
instrumento normativo pretendido, considerando que a isenção seria o meio mais
adequado.
Também tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº
493, de 2007, que regulamenta o tratamento diferenciado de produtos e serviços
em razão do impacto ambiental que causem, com fulcro no art. 170, VI, e art.
146-A, da Constituição.
Daí a importância hoje de novas
perspectivas da tributação ambiental sob o aspecto estrutural, que vai muito
além da mera imposição tributária, alcançando necessariamente os incentivos
fiscais.
Nosso entendimento em relação ao direito brasileiro é no
sentido de que todas as espécies tributárias podem e devem incluir em sua
motivação o critério ambiental, passando esse princípio geral da atividade
econômica, previsto no art. 170, inciso VI, da Constituição da República
Federativa do Brasil
[5]
, a
integrar o rol dos princípios fundamentais do Direito Tributário, que numa
visão sistêmica, deve ser compreendido como a vedação a instituição,
majoração ou redução de tributo sem a devida observância da defesa do meio
ambiente.
Dessa forma, o que há é uma remodelação ecológica
[6]
do
sistema tributário nacional, que deve considerar o meio ambiente como uma
diretriz necessária, inclusive, redirecionando ecologicamente os tributos que
não tinham na sua origem tal preocupação.
[1] Pós-Doutora pela Universidade de Lisboa. Doutora pela PUC/SP. Mestre pela UFC. Professora de Direito Tributário e Financeiro da Graduação e Pós-graduação/UFC. Líder do Grupo de Pesquisa em Tributação Ambiental UFC/CNPq. Procuradora da Fazenda Nacional. E-mail: deniluc@fortalnet.com.br.
[2]
Sobre essa questão ver: CAVALCANTE, Denise Lucena. Sustentabilidade
financeira em prol da sustentabilidade ambiental. In: Novos horizontes da tributação: um diálogo luso-brasileiro.
Cadernos IDEFF Internacional, n. 2, Coimbra: Almedina, 2012, p. 95-208.
[3]
U.S. GREEN BUILDING COUNCIL. Green building facts. Disponível em:
<https://www.usgbc.org/ShowFile.aspx?DocumentID=18693>. Acesso em: 18 ago. 2012.
[4]
Maiores informações em:
< http://www.icmsecologico.org.br> .
[5]
"Art. 170. A ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os princípios: I – [...]; VI - defesa
do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação.”
[6]
Tipke e Lang utilizam essa expressão com propriedade: "Em princípio há
duas vias, a remodelação ecológica de impostos existentes e a complementação do
sistema tributário por novos impostos. Conforme a regra tributária de Canard ‘velhos tributos são bons
tributos’ devem em primeiro lugar os tributos existentes ser adaptados em
concordância com o princípio da capacidade contributiva. Assim não deve o
consumo atual ser por mais tempo preferido e impostos, que com o princípio da
capacidade contributiva não são justificáveis, podem como os impostos prediais
ser ecologicamente redestinados. Novos impostos que devem estabelecer um preço
ecologicamente justo, necessitam acima de tuda da harmonização internacional.
Esforços nacionais isolados deformam a concorrência internacional tão
gravosamente, que considerando o mercado de trabalho o princípio da carga
ecológica não pode persistir.” (TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito tributário. Tradução de Luiz
Dória Furquim. Título original: Steuerrecht. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 2008, p. 446).