Artigos e Apresentações
Fisco brasileiro vai à luta
Charles Alcantara
Artigo do auditor-fiscal e diretor de comunicação da Fenafisco, Charles Alcantara, publicado no jornal Diário do Pará em 12 de agosto de 2015.
A aprovação em primeiro turno da Proposta de Emenda Constitucional 443/2009, que vincula a remuneração das chamadas carreiras jurídicas à de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), consagra uma injustificada precedência remuneratória das carreiras jurídicas no âmbito do Executivo e, por conseguinte, o desprestígio das carreiras de auditoria e fiscalização tributárias.
Essa precedência das carreiras jurídicas em detrimento das tributárias colide não apenas com o bom senso, mas com a própria Carta Magna, que conferiu à Administração Tributária o atributo da essencialidade ao funcionamento do Estado.
Está lá no Capítulo VII (da Administração Pública), Seção I (das Disposições Gerais), artigo 37, inciso XXII: "(…) as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio”.
Antes, no inciso XVIII do mesmo artigo 37, a Carta Constitucional já reconhecera outro atributo, desta feita à administração fazendária e a seus servidores fiscais: a precedência: "A administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei”.
Nenhum outro segmento da esfera pública, em quaisquer dos poderes da República, fez por merecer atributos constitucionais comparáveis aos estabelecidos para as administrações tributárias. O primeiro (a precedência), de alcance delimitado aos setores administrativos no âmbito do Executivo; o segundo (a essencialidade) – e mais potente -, de largo alcance, por envolver todo o escopo da Administração Pública, em todos os níveis e esferas de poder.
Se o "(…) Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado…”, de acordo com o artigo 127 da CF; e, se o advogado público "(…) é indispensável à administração da Justiça…”, conforme preceitua o artigo 133 da CF, então o que dizer das autoridades tributárias, cujas atividades são essenciais ao funcionamento do Estado em sentido lato?
Se a função jurisdicional do Estado não sobrevive sem o Ministério Público; e, se a administração da Justiça depende do advogado público; o Estado sequer poderia existir sem a existência da Administração Tributária. Destituído das funções de exigir e arrecadar tributos, o Estado restaria destituído da mais elementar condição de existir.
Mas, quando supunha que a insatisfação partisse justamente das autoridades tributárias, flagrantemente desprestigiadas no texto da PEC 443, eis que o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, João Ricardo Costa, de pronto manifestou-se contrário à aprovação da medida. Subscritor de uma áspera nota, Costa anunciou que vai lutar pela reversão da PEC, inclusive pela via judicial se necessário.
Supondo representar uma categoria portadora de uma superioridade – talvez divina, porque não encontrável no texto constitucional -, Costa encerra a nota com um disparate: "É inadmissível tal equiparação pelo que representa nas estruturas das carreiras de Estado. É um atentado ao país. O momento é difícil, mas temos condições de enfrentar”.
Sobre os ombros das autoridades tributárias pesa a responsabilidade pelo combate direto ao maior crime que se perpetra contra sociedade brasileira: a sonegação, que rouba dos brasileiros pelo menos R$ 500 bilhões por ano. À Administração Tributária incumbe a missão constitucional de arrecadar os recursos financeiros que nos permitem ao menos sonhar com uma sociedade solidária, próspera e socialmente justa.
Sem as atividades da Administração Tributária, essenciais ao funcionamento do Estado, não haveria médico na rede pública de saúde e sequer as unidades de saúde; não haveria professores na rede pública de educação e sequer as escolas; não haveria delegados e policias e sequer a ideia de segurança pública; não haveria advogados públicos; não haveria promotores e juízes e sequer a ideia de justiça.
Dos diálogos constantes que tenho travado com os meus pares do Fisco federal, estadual, distrital e municipal, posso inferir, sem margem de erro, que a PEC 443 acionou o estopim de uma crise institucional nas administrações tributárias de todos os níveis de governo.
A crise que se instalou na Receita Federal já começa a alastrar-se pelos demais Fiscos, porque as autoridades tributárias brasileiras não aceitarão tratamento remuneratório inferior às carreiras jurídicas ou a quaisquer outras carreiras de servidores públicos no âmbito do Executivo.