Artigos e Apresentações
O Estado e a COFINS, por Antonio Augusto d´Avila*
Em exame no STF, a inclusão do montante do ICMS na base de cálculo da Cofins (e também da contribuição para o PIS/PASEP) gerou uma das maiores disputas judiciais em matéria tributária. Num extremado resumo, poderia ser dito que a discórdia está assentada na tese, não aceita pelo governo federal, de que o montante do ICMS “arrecadado” pelo contribuinte não é receita própria e sim receita pública. Razão porque a base de cálculo da contribuição social – receita bruta – não poderia englobar essa parcela do imposto. Aparentemente, uma disputa entre contribuintes e governo federal apenas. Essa questão não afetaria os Estados federados. Penso que não.
A origem do problema, na verdade, está na equivocada visão doutrinária de que a base de cálculo do ICMS é o valor da operação, ou seja, ambos os valores, além de equivalentes, incluiriam o montante do ICMS. Ora, se este montante integra o valor da operação que, por sua vez, corresponde à base de cálculo da Cofins, nada mais lógico que esta base inclua o montante do ICMS. O equívoco, por seu turno, teve seu nascedouro no chamado “ICM/ICMS por dentro”, uma analogia que veio toldar a correta compreensão do significado da integração do montante do imposto a sua base de cálculo. Ocorre que a base de cálculo do ICMS não é equivalente ao valor da operação e isto está exposto na obra “ICMS: A Base de Cálculo Revisitada” de minha autoria.
E mais, a regulamentação das obrigações acessórias, no que tange à emissão dos documentos fiscais e aos registros respectivos, veio contribuir para o aprofundamento da confusão entre valor da operação e base de cálculo. De fato, os valores das saídas e das entradas deveriam e devem ser consignados com o montante do imposto incluído. A integração do imposto aos preços, portanto, seria “natural”. Para consolidar o quadro, parcela importante da doutrina passou a considerar o contribuinte de direito como o pagador do imposto e não como agente arrecadador. Agente nomeado pelo Estado para cobrar o imposto, geralmente, do comprador de suas mercadorias ou tomador de seus serviços e, ato seguinte, recolhê-lo aos cofres públicos. Dessa forma, mais uma vez, compreensível a determinação no sentido da inclusão do montante do ICMS na base de cálculo da Cofins.
Mas confronte-se com o IPI. Sua base de cálculo não inclui o montante do próprio imposto que é consignado em separado do preço nos documentos e livros fiscais. Assim, a base de cálculo da Cofins não inclui o valor do IPI, considerado parcela não integrante da receita bruta tributável.
Deve-se aduzir que a rigor não existe um fato, estrito senso, correspondente ao “faturamento mensal” definido como “fato gerador” na legislação da Cofins e, sem fato, não há fato gerador. O faturamento mensal, portanto, só pode ser entendido como um somatório mensal de faturamentos, receitas ou outro nome que se der e, por consequência, equivalente ao somatório das saídas de mercadorias e das prestações de serviços verificados no mês. Os fatos geradores do ICMS e da Cofins são comuns a ambos os tributos, ou seja, a incidência da Cofins não é posterior à incidência do ICMS. Elas são concomitantes e, no mínimo, há um conflito de competências que deveria ser dirimido por meio de lei complementar (Art. 146, I, da CF).
Além disso, com a vigência do ICMS dada, a imposição de um segundo tributo, no caso a Cofins, provoca alterações de preços dos bens e serviços. Em face das restrições do orçamento familiar, na hipótese mais simples de que a maior parte do ônus adicional seja transferida para o consumidor, haverá redução de quantidades consumidas ou substituição por produtos e serviços mais baratos. De alguma forma, portanto, a arrecadação do ICMS será afetada negativamente. Se a incidência da Cofins sobre o ICMS é ilegal e prejudica a arrecadação do imposto de sua competência, os Estados não podem ficar alheios.
*Ex-Fiscal de Tributos Estaduais do Rio Grande do Sul.