Artigos e Apresentações
As delícias de ser enforcado
Blog Bissexto
Artigo escrito pelo Juiz de direito em Porto Alegre e presidente da Ajuris entre 2012/2013, Pio Giovani Dresch.
Dizem por aí que já se contaram as favas, basta termos um pouco de paciência: passadas as eleições, o mundo maravilhoso virá. Os douradores de pílulas já estão aí, mostrando como será bom acabarem de uma só vez com a previdência pública, com o 13º salário e com o FGTS.
A conta é simples: acaba a previdência, e o salário aumenta em torno de 30%; acaba o 13º, e o valor é diluído em doze meses, dando mais 8,33%; acaba o FGTS, e vêm mais 8%. Resultado: é só acabar com essas inutilidades, e todos os trabalhadores terão imediatamente um aumento salarial de quase 50%.
Essa é a excelente notícia que nos espera no final de 2016. Li as demonstrações matemáticas de um dos mensageiros da boa nova, e me impressionei com seus sábios conselhos. Você separa mensalmente uma parte desse prometido aumento e aplica por 30 ou 35 anos, para ao final ter uma pequena fortuna, que permitirá viver o resto da vida no paraíso.
Nas demonstrações que vi, a aplicação é na caderneta de poupança, que nosso matemático explica ser o menos rentável dos investimentos – ou seja, se você for um bom capitalista, ganhará ainda mais –, a uma renda mensal de 0,7%. Pequeno detalhe: esquece que essas maravilhosas medidas não abolirão a inflação, e os milhões que hoje projeta não serão milhões após 30 ou 35 anos.
Mas seu grande problema não é esquecer da inflação. Esse ultraliberalismo preconceituoso – chega a dizer que o valor do FGTS é desviado para as empreiteiras do Minha Casa Minha Vida, fazendo pouco caso de um programa que entregou milhões de moradias a famílias de baixa renda –, que só funciona com a ficção de que cada cidadão se transformará num agente ativo do mercado financeiro, tem por pressuposto ser desnecessária a proteção estatal aos menos favorecidos, porque eles separarão religiosamente a sobra, e ao final serão bem sucedidos capitalistas em miniatura.
Evidentemente, se, ao final de trinta anos, dezenas de milhões de brasileiros não tiverem a fortuna prometida por essa matemática ufanista, a culpa será deles, que não foram suficientemente virtuosos para fazerem sua poupança.
Se antes tiverem sofrido um acidente incapacitante, se tiverem perdido o emprego no meio do caminho, azar, é da vida.
Também não se preocupa esse pensamento em dizer que, em vários países em que se acabou com a previdência pública, vorazes fundos de pensão privados deixaram a ver navios os atônitos contribuintes, ao quebrarem depois de recolherem anos de contribuições.
Não se preocupa igualmente em lembrar que, com frequência cada vez maior, o capitalismo cria bolhas, que inevitavelmente estourarão, tendo sempre como vítimas principais os pequenos investidores, enquanto alguns gigantes nada inocentes, grandes demais para quebrar, recebem injeções estatais, essas mesmas que querem negar aos pobres.
E fazem tudo isso com uma candura e uma lógica espantosas. Para começar, partem do pressuposto de que há uma relação automática entre o fim da previdência pública, do 13º e do FGTS com um aumento de quase 50% no salário. De onde tiraram isso, não sei.
Mas, suponhamos que seja assim mesmo, e todos recebam desde logo esse incremento no seu salário. Nesse caso, seria bom lembrarem que, paralelamente, também esperando passar as eleições, vem a reforma trabalhista, que, entre outras novidades, sobreporá a negociação à lei, de modo que a própria manutenção do valor salarial será sempre submetida às vicissitudes do momento.
Mas, para esse pensamento, seremos todos empreendedores. Então, para que essas coisas antiquadas, como previdência pública, 13º salário e FGTS, se o mercado está ao alcance de todos? Acabe-se com o Estado social, venha a livre negociação: que belos acordos sairão entre o leão e o cordeiro!
E assim estendem o tapete vermelho ao cadafalso.