Artigos e Apresentações
Chacrinha fiscal
O Globo
Artigo escrito pelo presidente do Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Estadual do RJ, Geraldo Miguel Machado, e publicado no site do jornal O Globo no dia 30 de setembro de 2016.
O déficit bilionário do Estado vem despertando o interesse da sociedade para a sua arrecadação. Por vivermos em um verdadeiro manicômio tributário, o debate que se estabeleceu, lembrando Chacrinha, muitas vezes tem contribuído mais para confundir do que para explicar. Tratar a questão com a profundidade necessária é fundamental para encontrarmos mais soluções do que culpados.
Vejamos os incentivos fiscais. Recentemente, o TCE/RJ quantificou em cerca de R$ 138 bilhões os benefícios tributários concedidos pelo Rio entre 2008 e 2013. Isso fez muita gente séria concluir que, para favorecer empresários amigos, o governo do Rio teria aberto mão dessa receita estratosférica, e agora é o cidadão quem paga o preço de tal "bondade”.
Em 22 de junho, na Alerj, a Secretaria de Fazenda apresentou nuances essenciais para a compreensão desse problema.
Primeiramente, existem benefícios que não podem ser incluídos na suposta farra fiscal fluminense, pelo simples fato de terem sido pactuados por todas as unidades da Federação no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Não são, portanto, "bondades” concedidas por caprichos exclusivos do governo do Rio. Por exemplo, a isenção das mercadorias da cesta básica é um desses incentivos compartilhados pela Federação. Assim, a bem da apuração dos incentivos exclusivos do Rio, é correto excluir cerca de 75% dos tais 138 bilhões.
Além disso, precisamos estabelecer uma distinção entre renúncia fiscal e diferimento. Na renúncia, o estado abre mão do imposto de forma definitiva. No diferimento, há a ampliação do prazo para pagamento. Segundo o estudo, dos R$ 32,5 bilhões de benefícios concedidos fora do âmbito do Confaz no período, cerca de R$ 12,5 bilhões representam renúncia efetiva patrocinada pelo Rio de Janeiro.
Continua sendo muito, mas muito dinheiro mesmo. Por isso, devemos exigir que o estado implante mecanismos para avaliar cada benefício, tendo em vista que, na atualidade, tais controles são inegavelmente frágeis. Porém, convenhamos: R$ 12,5 bilhões situam-se num patamar bem mais modesto que os alardeados R$ 138 bilhões.
Outro exemplo de confusão é o assustador valor de R$ 66 bilhões de débitos na dívida ativa do estado. A pergunta recorrente é: por que não se cobra isso? E não faltará quem diga: "Ah! O governo está fazendo corpo mole”. Fosse assim, um bom puxãozinho de orelha em governantes e servidores faria o valor da dívida despencar. O buraco, entretanto, é bem mais embaixo.
Os auditores fiscais remetem regularmente milhões de reais a serem cobrados na Justiça. Lá chegando, a coisa cai na proverbial lentidão do sistema judicial brasileiro, e adivinhem? Nada se resolve com presteza. Assim, com mais débitos entrando do que saindo, a sociedade assiste, atônita, à escalada da dívida ativa.
O fato de não haver solução imediata não nos autoriza a ficar parados. É indispensável aperfeiçoar a gestão da dívida, tarefa a ser compartilhada por todos os poderes do estado. Ao Executivo, cabe melhorar a cobrança. O Legislativo deve aprovar leis que simplifiquem o manicômio e, com isso, dificultem as controvérsias e artimanhas de maus contribuintes. E, por fim, o Judiciário tem de investir na redução da lentidão das cobranças.
Tornar compreensível para a sociedade as entranhas do manicômio tributário nacional é o desafio de todo governo que pretende envolvê-la na busca de soluções. Retornando ao sábio Velho Guerreiro: "Quem não se comunica se trumbica”.