Artigo escrito pelo jornalista Juremir Machado e publicado no jornal Correio do Povo de 12 de dezembro de 2016.
Conversei com nove economistas e dois ex-secretários da Fazenda. Puxei assuntos. Há, entre eles, um consenso: a guerra fiscal está asfixiando parte dos Estados brasileiros. Claro que a gastança afeta a saúde das unidades da federação. A guerra fiscal é letal. Ela tem parentesco com a globalização. As empresas vão para onde o trabalho custa mais barato e os impostos são mais baixos. Onde, em termos globais, isso ocorre? Em países nos quais os trabalhadores estão menos organizados e a proteção social é frágil. É o paraíso do capitalismo. Consumidor: quer mais barato? Esse é o custo a pagar. A guerra fiscal é um mecanismo ardiloso de desmontagem do aparato estatal. Para não quebrar, paradoxalmente, na concorrência com quem abusa da renúncia fiscal, o Estado é obrigado a abrir mão de arrecadação. Como arrecada menos, quebra aos poucos. A suposta solução é apresentada: reduzir o Estado ao mínimo com o nome de Estado eficiente. A ideologia aproveita a ocasião.
Vende-se tudo. Até o que dá lucro ou não exige investimentos diretos do tesouro público. No pacote, limita-se a gastança, quebra-se a força das chamadas corporações e diminui-se o serviço esperado pelos cidadãos. A guerra fiscal é o mais eficiente mecanismo de desmantelamento da estrutura estatal. Para sair da crise, dever-se-ia demandar o governo federal pela extinção da dívida com a União, já suficientemente paga, e pelo fim da guerra fiscal. É tudo que não interessa a muitos empresários. Estados eficientes como a Suécia, mau exemplo para o capitalismo canibal, cobram muito imposto e dão muito retorno aos contribuintes. Resta, em relação a isso, um argumento conveniente: não somos a Suécia. Nunca seremos. Somos farinha de outro saco. Um Estado é um condomínio. Para que funcione, é fundamental que cada um pague a sua parte. Quem usa mais, deve pagar mais. A globalização cria desemprego em países desenvolvidos nos quais os trabalhadores conquistaram direitos ao longo de séculos ao custo de rebeliões, barricadas, greves, vidas, confrontos, prisões e leis. A modernidade da globalização esconde o triunfo do antigo.
A guerra fiscal segue pelo mesmo caminho. Estamos no mato sem cachorro. O cão foi vendido. Vivemos mais. A tecnologia também desemprega. A repartição do bolo é desigual. Aconselha-se cada um a trabalhar e poupar. O quê? Ter emprego até a aposentadoria, que virá cada vez mais tarde, tornou-se uma façanha. A moral da história parece ser esta: viva mais com menos. Corra os riscos que o capital detesta. Seja ousado. Viva na precariedade. Só aceite pagar o mínimo por tudo, mesmo que isso imponha ao trabalho alheio uma recompensa irrisória. O outro seguirá a mesma lógica. A guerra fiscal exige sigilos em certas situações. O Estado perde arrecadação, mas não pode contar aos cidadãos tudo sobre os beneficiados. Empresas multinacionais poderosas sugam o que podem. O círculo se fecha. Quem não cede, sucumbe. Quem cede, quebra. Ou se reduz ao mínimo para vegetar. Só há uma saída perfeita: viver menos, trabalhar mais e morrer antes da aposentadoria. Que economia!