Um estudo do Instituto Justiça Fiscal (IJF), publicado em 2017, mostra que as divisas e a arrecadação tributária geradas pela mineração no período de 2009 a 2015 não são compatíveis com a importância econômica do setor. A pesquisa demonstra que a sociedade brasileira foi lesada: há evasão de divisas da ordem de 40 bilhões de dólares e o valor dos impostos pagos é muito menor do que deveria ser. Grande parte dos lucros e impostos é indevidamente transferida para países considerados paraísos fiscais com o intuito de pagar menos impostos no Brasil.
A pesquisa do IJF estima que o prejuízo para o Estado brasileiro foi da ordem de R$ 50 bilhões. O valor da perda tributária foi de 12,4 bilhões de dólares no período de 2009 a 2015, equivalente a R$ 47 bilhões. A União também perdeu R$ 3 bilhões com o pagamento menor da Contribuição Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) de Bens de Propriedade da União. O prejuízo tributário refere-se apenas aos tributos sobre o lucro – imposto de renda e contribuição social, uma vez que as mineradoras não pagam imposto de exportação, ICMS, PIS e COFINS sobre as vendas para o exterior. A extração da maior parte do minério de ferro é destinada à exportação.
Riquezas brasileiras subtraídas
O artifício utilizado para pagar menos imposto no Brasil é o subfaturamento das exportações, que reduz o lucro tributável. A manobra fiscal é feita por intermédio de uma subsidiária do mesmo grupo econômico, aberta em algum paraíso fiscal, que faz o papel fictício de adquirente dos produtos exportados pela matriz brasileira. Mas o minério de ferro embarca do Brasil diretamente para a Ásia, que é a maior consumidora do produto brasileiro.
A venda do produto destinada à China ou ao Japão é feita com um preço abaixo do mercado para a filial mantida no paraíso fiscal. Esta filial revende a mercadoria com o valor correto aos asiáticos. Dessa forma, o lucro da mineradora brasileira é transferido para a sua subsidiária no paraíso fiscal, onde a tributação é nula ou muito pequena. São divisas e impostos subtraídos do Brasil, onde a riqueza foi extraída, e transferidos para um país que não agregou qualquer valor ao produto.
Além da perda tributária de R$ 47 bilhões, o subfaturamento nas exportações lesou, ainda, o Estado brasileiro em R$ 3 bilhões com o pagamento menor da Contribuição Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) de Bens de Propriedade da União. Essa taxa é uma contraprestação paga à União pelo aproveitamento econômico dos recursos minerais não renováveis, explorados sob regime de concessão pública. Essa contribuição não é um tributo, mas uma contrapartida pelo uso e exploração de propriedade da União.
Somos um país abençoado com recursos naturais, mas mesmo assim somos pobres. Nossas riquezas são extraídas e remetidas para outros países, deixando aqui poluição, danos ambientais e perda de vidas humanas.
O atual ciclo da mineração brasileira não difere muito do ciclo do ouro da época colonial. A extração e exportação do ouro figurava como principal atividade econômica daquele período para a coroa Portuguesa. Foi o momento de maior abuso e dominação do Brasil pelos países europeus. Por fim, as minas de ouro “das Minas Gerais” se esgotaram e a economia derivou em pobreza e desigualdade.
Diz a música de Chico Buarque que “dormia a nossa pátria-mãe tão distraída sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações”. Parece que continuamos a dormir distraídos sem perceber que nossas riquezas continuam sendo subtraídas.
Quem é o maior comprador do minério brasileiro?
O Estudo do IJF revelou um dado curioso e que causou estranheza: a Suíça é o maior comprador do minério de ferro brasileiro. O país adquire mais de 80% do produto exportado pelo Brasil, quando os relatórios do Ministério da Indústria e Comércio revelam que o grande parceiro comercial do Brasil nessa área é a China. Em 2016, a Suíça adquiriu 247.387.719 toneladas de minério de ferro, cerca de 81% do volume exportado. Porém, 62% deste montante foi destinado à China. Mas por que o país adquirente é diferente do país de destino da mercadoria?
A triangulação e o subfaturamento das transações explicam o fato. Esse resultado confirma que as empresas brasileiras exportadoras praticam a triangulação fictícia, exportando para si mesmas por meio de suas filiais localizadas na Suíça a um preço abaixo do mercado. A mercadoria é destinada diretamente à China. A Suíça é considerada um país de regime fiscal privilegiado (também chamado de paraíso fiscal), que praticamente não tributa o lucro das empresas estrangeiras.
Até 2005, um pequeno país do Caribe, Bahamas, também considerado paraíso fiscal, comprava 58,5% do minério de ferro brasileiro. A partir de 2007, a Suíça passou a ser principal adquirente do produto. Mas isso não ocorreu por acaso. Em 2006, a empresa Vale do Rio Doce abriu uma subsidiária na Suíça. No ano seguinte, a Suíça comprou 68,5% do produto exportado pelo Brasil, chegando a 87,5% em 2013.
Perdas de divisas brasileiras – entre 39 e 49 bilhões de dólares
O subfaturamento das exportações de minério de ferro também prejudica a Balança Comercial brasileira. O estudo do IJF estima que a evasão de divisas foi de US$ 39,1 bilhões entre 2009 e 2015, uma perda média de US$ 5,6 bilhões por ano, quando o valor declarado pelas empresas brasileiras é comparado com o preço médio da cotação internacional da commodity. Essa perda chega a US$ 49,06 bilhões quando o preço parâmetro é o valor declarado pelo país importador, no caso a China.
O minério de ferro chega na China a um preço de 20% a 89% superior àquele declarado na exportação no Brasil. O preço médio de exportação declarado às autoridades brasileiras (MDIC), em 2011, foi US$ 116,90 a tonelada. Os importadores chineses, contudo, informaram que pagaram US$ 178,40, ou seja, 52% a mais. Já o preço médio na cotação internacional foi US$ 139,66, ainda assim 20% maior que o primeiro.
Em 2015, a cotação internacional do minério foi 33,78% superior ao preço vendido pelo Brasil, e os asiáticos declaram à ONU que pagaram 89% a mais. A diferença foi o lucro indevidamente transferido para a Suíça. Quem ficou com o queijo dos brasileiros?
Novos tempos, velhas práticas.
Nos velhos tempos, a riqueza das colônias era extraída e subtraída pelos governos da metrópole. Atualmente, a prática é a mesma, mudou apenas o explorador: agora são as grandes empresas transnacionais que subtraem nossas riquezas. Continuamos sendo colônia.
A globalização econômica e o livre fluxo de capitais contribuem para a expansão das empresas multinacionais e para a subtração da riqueza dos países menos desenvolvidos. Nos últimos anos, as transações entre empresas do mesmo grupo econômico cresceram e representam mais de 60% do comércio global. Esses fenômenos facilitaram o deslocamento de centros de produção de países com altos custos para países com baixos custos. Isso levou muitos países a reduzir seus impostos e a conceder benefícios fiscais com vista a atrair investimentos. A concessão desses benefícios gerou uma guerra fiscal internacional e produziu efeitos negativos substanciais nas finanças públicas de diversos países.
Neste cenário, as empresas transnacionais e pessoas físicas muito ricas conseguem escapar da tributação do imposto de renda e a carga fiscal é deslocada para os mais pobres, aumentando os impostos sobre o consumo. O risco disso é o sistema tributário se tornar ainda mais regressivo, caso não sejam tomadas medidas para enfrentar o problema.
Os efeitos dessa globalização sem limites são: crise fiscal dos Estados nacionais, ampliação da concentração de renda e da desigualdade social e perda de confiança dos cidadãos nos governos e no sistema político.
Será muito difícil que os políticos e governantes cooptados pelo poder econômico enfrentem o problema. Muito pelo contrário, tudo indica que as velhas práticas de subtração de riquezas e concentração de renda tendem a se acentuar.
Diante disso, não deveríamos esperar as minas de minério de ferro se esgotarem como ocorreu com o ouro na era colonial. É preciso virar essa página infeliz da nossa história. Não podemos permitir que a nossa pátria-mãe tão distraída continue a dormir sem perceber que está sendo subtraída em tenebrosas transações.
Clair Hickmann e João Carlos Loebens são membros do Instituto Justiça Fiscal (IJF) e Auditores Fiscais pela Democracia (AFPD).