Feche os olhos e imagine um país onde cada governo possa mudar toda a estrutura do Estado ao seu bel-prazer. Juízes, professores, funcionários de bancos públicos, fiscais, policiais: todos, sem exceção, sendo alternados a cada quatro anos, de acordo com a ideologia e os humores dos governantes de plantão. De tempos em tempos, a adaptação do quadro de pessoal, mais à direita, mais ao centro ou mais à esquerda; mais inclinado ao Estado social ou mais suscetível ao mercado; mais ou menos sensível às políticas de proteção ambiental e à promoção dos direitos humanos.
Agora, voltamos a abrir os olhos. Assim, enxergamos que o Brasil pode estar mais próximo dessa realidade do que imaginamos. O Ministério da Economia anunciou para breve uma reforma administrativa que tende a abolir o instituto da estabilidade dos servidores públicos, tido pelas autoridades do atual governo como uma espécie de privilégio, vício ou disfunção.
Tomando por referência o Direito administrativo francês, o instituto da estabilidade no serviço público pátrio insculpido na Carta de 1988 está em consonância com o praticado em grande parte dos países desenvolvidos, incluindo a própria França, que adotou a estabilidade e erigiu um dos sistemas públicos mais eficientes do mundo.
Ao contrário do que possam supor os artífices da tal Reforma Administrativa, o medo de perder o emprego introduzido pela fragilização extrema ou extinção mesma da estabilidade não ensejará qualquer efeito positivo na produtividade ou eficiência do serviço público. Ensejará, isto sim, mais ineficiência, pela redução da margem de impessoalidade e transparência, ou, noutras palavras, pelo aumento do compadrio e do clientelismo.
Infelizmente, a produtividade brasileira é cronicamente baixa, fenômeno que se observa tanto no serviço público, quanto na inciativa privada. Especialistas no assunto indicam que questões como deficiência na formação e problemas nas estruturas das instituições e empresas explicam esse quadro adverso ao crescimento econômico.
Esse estigma entranhado no imaginário popular sobre a ineficiência do serviço público é obra das mesmas forças que historicamente se serviram da coisa pública e capturaram o Estado para os seus interesses privados.
Não podemos nos furtar da discussão benéfica sobre como ampliar a cobertura e qualificar os serviços prestados pelo Estado aos cidadãos e cidadãs e sobre como garantir funcionários públicos mais engajados e comprometidos. Mas não podemos partir de visões preconceituosas, premissas falsas e interesses ocultos que fragilizam a democracia e o próprio serviço público, como é o caso do pretendido fim da estabilidade dos servidores.
É preciso enxergar mais profundamente a questão, quais interesses estão em jogo. Não podemos aceitar qualquer saída relativamente simples em nome de soluções aparentemente fáceis para a grave crise fiscal que o país e os estados enfrentam. Precisamos sim de políticas públicas que impulsionem o crescimento econômico, que aumentem a empregabilidade, que reduzam a abissal e indecorosa desigualdade. A retórica dos privilegiados feita pelo governo erra ao apontar o dedo para a estabilidade do servidor, porque esta é uma das garantias democráticas sabiamente consagradas na Carta Magna.