A proposta de reforma da previdência social foi aprovada recentemente na Câmara dos Deputados sem a inclusão de Estados e Municípios. Esta “exclusão” dos entes federados foi decidida pelos parlamentares depois de muita argumentação, tendo por base as dificuldades em aprovar a reforma com a inclusão de todos os entes, devido à posição contrária de alguns Governadores, em especial do Nordeste, dentre outras resistências, inclusive dos próprios deputados federais.
O texto aprovado pela Câmara foi, então, remetido ao Senado Federal, tendo sido designado como relator o senador Tasso Jereissati, que teve seu relatório aprovado na Comissão de Constituição e Justiça.
No Senado Federal, foi construído um consenso de não alterar a proposta da PEC 06/2019 para que tivesse tramitação mais célere e não tivesse que retornar à Câmara. Os senadores acordaram que as eventuais alterações na proposta viriam na chamada “PEC paralela”, hoje numerada como PEC 133/2019.
Dentro desse acordo, o Senado passou a admitir somente as chamadas “emendas supressivas”, com o argumento de que não alteram o texto e, portanto, não obrigariam o retorno à Câmara. Ainda que muito questionável esta interpretação, posto que a supressão promove necessariamente uma alteração no texto, tem-se, além disso, algumas supressões com o efeito de alterar ou de ampliar a aplicação de dispositivos.
É o que fez a supressão promovida pelo Senador Jereissati na questão das alíquotas extraordinárias. Ao subtrair a expressão “no âmbito da União”, do § 1º-B do art. 149, o relator ampliou a aplicação das alíquotas extraordinárias para todos os entes federados. Dessa forma, esta supressão passa a ter efeito modificativo e aditivo, o que deve fazer com que o texto, se aprovado com esta redação, tenha que, obrigatoriamente, retornar à apreciação da Câmara dos Deputados.
O próprio relator expõe esse efeito da supressão ao afirmar em seu relatório que é uma “alteração em benefício dos Estados, do DF, e dos Municípios”. Essa alteração, ainda por cima, foi feita exatamente na questão da inclusão de Estados e Municípios, que foi retirada expressamente do texto da PEC 06 pelos Deputados Federais. Foi justamente o ponto de maior conflito para a aprovação na Câmara.
Assim sendo, a supressão tem o condão de alterar substancialmente a aplicação do dispositivo, retirando uma restrição de aplicação apenas para a União e ampliando o seu efeito para incluir os demais entes federados.
Neste sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal em Medida Cautelar em Mandado de Segurança: “O retorno do projeto emendado à Casa iniciadora não decorre do fato de ter sido simplesmente emendado. Só retornará se, e somente se, a emenda tenha produzido modificação de sentido na proposição jurídica. Ou seja, se a emenda produzir proposição jurídica diversa da proposição emendada. Tal ocorrerá quando a modificação produzir alterações em qualquer um dos âmbitos de aplicação do texto emendado: material, pessoal, temporal ou espacial.” (MC MS 0006225-54.2017.1.00.000 DF – Distrito Federal).
É o caso dessa supressão feita pelo relator. Ela altera o âmbito de aplicação dispositivo, passando a incidir sobre servidores públicos dos Estados e dos Municípios. É uma ampliação no âmbito pessoal (subjetivo) e espacial, por envolver toda a federação.
Por esses motivos, impõe-se a necessidade de reapreciação pela Câmara do Deputados. Não havendo esta remessa da PEC 06, alterada pelo Senado Federal, para reapreciação pela Câmara, haverá claro espaço para questionamento judicial, por desrespeito à Constituição.
*Marcelo Ramos de Mello, vice-presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), auditor fiscal da Receita Estadual do RS, mestre em Administração e Gestão Pública pela Universidad de Alcalá de Henares, Espanha