A economia brasileira tem apresentado a mais lenta recuperação após uma recessão (queda do PIB per capita) por três anos. As expectativas de mercado indicam que, depois da queda em 2014-16, teremos o terceiro ano de crescimento menor do que 1% aa em termos per capita.
Parte desta lenta recuperação tem causa externa, nos efeitos da disputa entre EUA e China sobre o comércio internacional, bem como no impacto da crise argentina sobre a indústria brasileira.
Choques acontecem e podem ser compensados pela política macroeconômica, para estabilizar o emprego e a inflação, mas no Brasil a resposta tem sido lenta.
Do lado monetário, passados os efeitos da greve dos caminhoneiros e da incerteza eleitoral, o Copom demorou muito a reduzir a SELIC. A taxa básica de juro deveria ter voltado a cair já no final do ano passado, mas ela ficou constante em 6,5% até junho deste ano.
Agora o Copom está corrigindo seu erro e a SELIC pode cair para 4,5% até dezembro, sem risco para o cumprimento da meta de inflação. Este estímulo monetário deve ter impacto positivo na economia, sobretudo a partir do 1º semestre de 2020.
Do lado fiscal, o governo federal está com o orçamento apertado e tudo indica que haverá mais arrocho em 2020, devido ao congelamento real da maior parte do gasto primário no patamar de 2016. Na prática, as regras fiscais em curso podem reduzir a despesa primária federal em 0,2 pp do PIB esperado em 2020,[1] mas já há ações em curso para compensá-la, apesar do governo não dar destaque a isso.
Em outras palavras, em paralelo ao discurso de ajuste fiscal e redução do tamanho do Estado, o governo Bolsonaro já “contratou” dois fortes estímulos Keynesianos de demanda para o final de 2019 e início de 2020.
O primeiro é a nova liberação de recursos do FGTS, no valor de R$ 42 bilhões (0,6% do PIB). Essa injeção de recursos parafiscais aumentará a renda disponível das famílias brasileiras no final deste ano, com impacto positivo sobre o consumo agora e no início de 2020.
Quanto? De acordo com estimativas mais recentes do “multiplicador fiscal”, o efeito total deve ficar entre 1,8 e 3,7 do impulso inicial dentro de um ano, e entre 6,7 e 7,6 dentro de dois anos.[2]
O segundo estímulo vem da esperada transferência extraordinária de até R$ 21 bilhões (0,3% do PIB) para Estados e Municípios no início de 2020, após o leilão dos “excedentes de petróleo” cedidos à Petrobras em 2010. Esta despesa já foi excluída do teto de gasto e representa impulso fiscal “na veia”, sobretudo em um ano eleitoral como 2020.
Os governadores e prefeitos provavelmente utilizarão a renda extra da cessão onerosa de 2010 (uma herança bendita do governo Lula) para aumentar seus gastos em pelo menos R$ 21 bilhões. Este gasto extra reduzirá o resultado primário do governo geral e, teoricamente, poderia ser compensado com elevação do resultado primário pela União.
Porém, neste ano a equipe econômica já declarou que não se compromete em compensar resultado primário abaixo do esperado por parte de governadores e prefeitos. Traduzindo do jargão orçamentário, isto significa que o provável gasto estadual e municipal financiado pela cessão onerosa terá impacto de 100% sobre a despesa do governo como um todo.
Assumindo que prefeitos e governadores gastem com consumo (bens e serviços), as estimativas de multiplicador fiscal estão entre 0,8 e 2,4 do impulso inicial dentro de um ano, e de 1,7 a 3,1 dentro de dois anos.
Já se a renda extra for direcionada para o investimento, as estimativas de multiplicador fiscal são de 2,1 a 2,5 dentro de um ano, e de 3,7 a 4,2 dentro de dois anos.
Por fim, se a renda do pré-sal permitir mais gasto com pessoal, as estimativas de multiplicador fiscal são de 1,8 a 3,7 dentro de um ano, e de 4,7 a 5,4 dentro de dois anos.
Juntando todos os possíveis estímulos e restrições mencionados acima, as decisões fiscais e parafiscais do governo federal devem injetar 0,9% do PIB na economia na virada de 2019 para 2020, e retirar 0,2% do PIB ao longo do ano.
O impacto líquido seria, portanto de 0,7% do PIB, o que com um multiplicador conservador de 1 a 1,5, tende a gerar uma expansão de 0,7% a 1,1% do PIB em 2020.
Do ponto de vista do desenvolvimento, o ideal seria que tal impulso fiscal fosse direcionado totalmente para o investimento público, de modo a aumentar a renda e o emprego mais rapidamente agora, e elevar a produtividade da economia mais à frente.
Porém, devido à lógica equivocada do atual teto de gasto, que leva o governo a reduzir seu investimento, o efeito mais provável do “impulso fiscal envergonhado” do governo será o aumento do consumo público (nos Estados e Municípios) e privado (de quem sacar o FGTS).
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