"Todos concordamos na busca por um serviço público mais eficiente e republicano, em busca de resultados e no qual a competência seja incentivada, conforme os princípios mais atuais da Administração Pública no Brasil e no mundo." Várias notícias estão sendo veiculadas na imprensa no sentido de que o governo se prepara para enviar ao Congresso Nacional uma proposta de reforma administrativa que deve estabelecer novas regras para a contratação, promoção e demissão de servidores. Uma das medidas em estudo diz respeito à estabilidade, pelo menos de parte das carreiras, além de várias alterações da estrutura do Estado.
Além da questão orçamentária, é cediço que há um movimento de parte da sociedade por um modelo mais republicano e eficiente de serviço público. Entretanto, é fundamental uma análise cuidadosa da questão da estabilidade, já que os integrantes de muitas das carreiras do serviço público exercem funções típicas de Estado.
As funções típicas de Estado são atribuições ligadas exclusivamente ao poder estatal, que não podem ser exercidas por particulares, tais como fiscalização, arrecadação e segurança pública. A natureza da atuação dos servidores que exercem tais atividades torna imprescindível que sejam resguardados de tentativas de interferência de governos de ocasião. Ao mesmo tempo, a alta qualificação exigida, bem como a responsabilidade envolvida nas tarefas desempenhadas pelos integrantes de parte dessas carreiras tornam necessário que sejam remunerados com a devida dignidade.
É preciso que fique claro que tanto a estabilidade quanto carreiras fortes e bem estruturadas são de interesse da sociedade, nesses casos. Tomemos como exemplo a Advocacia Pública Federal, atualmente dividida em quatro carreiras: advogado da União, procurador federal, procurador da Fazenda e procurador do Banco Central. Os Advogados Públicos Federais atuam frequentemente em ações de impacto, seja para recuperação de créditos para a União ou na viabilização de políticas públicas importantes . A remuneração deve ser coerente com a responsabilidade do cargo, ou a própria excelência do serviço estará comprometida.
As atividades dos membros da Advocacia Geral da União, no entanto, vão muito além da representação judicial dos três Poderes. Atualmente, estão presentes em todos os ministérios, prestam consultoria jurídica, fazem controle de legalidade, elaboram pareceres. São atividades que devem servir ao interesse público e ao Estado, não a um ou a outro governo. Como resistir à pressão para, digamos, emitir um parecer favorável a uma licitação sem a estabilidade? Como proteger o Advogado Público de eventuais retaliações?
As considerações feitas em relação à Advocacia Pública Federal são aplicáveis a tantas outras carreiras. Eis porque a discussão sobre a possibilidade de redução ou fim da estabilidade no serviço público não se resume à questão de preservar o direito adquirido. Não basta manter a estabilidade para os ingressos por concurso antes da aprovação da reforma administrativa e eliminá-la para os admitidos após a promulgação de uma nova lei. É necessária uma análise caso a caso, levando em conta as peculiaridades das carreiras.
A defesa da importância da estabilidade e de uma remuneração digna para os integrantes das carreiras do Estado, no entanto, não implica na defesa da perpetuação de um serviço público dispendioso e pouco eficiente. Muito pelo contrário. Os excessos, tais como os salários acima do teto constitucional ou férias de 60 dias, por exemplo, devem ser combatidos. São bem-vindas, ainda, as iniciativas para debater e implementar medidas que visem à redução de custos e aumento da produtividade no serviço público.
Na verdade, a Advocacia Pública Federal já tem dado passos no sentido de atender a essa necessidade de modernização do serviço público. A Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (ANAFE) encomendou à Fundação Getúlio Vargas (FGV) estudo que mostra a economia aproximada de R$ 1 bilhão de reais ao unificar as quatro carreiras da Advocacia Pública Federal. Essa é uma medida que vai ao encontro do que está sendo proposto pelo governo e trará uma maior racionalidade na atuação da Advocacia-Geral da União.
É essencial que esse debate acerca do futuro do serviço público seja feito levando em consideração as importantes atribuições de cada uma das carreiras, bem como as responsabilidades envolvidas em suas atuações. Todos concordamos na busca por um serviço público mais eficiente e republicano, em busca de resultados e no qual a competência seja incentivada, conforme os princípios mais atuais da Administração Pública no Brasil e no mundo.
* Presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe) e secretário-geral do FONACATE