A Constituição Federal de 1988 (CF 1988) tem sido apontada como marco normativo para o desenvolvimento das políticas sociais no Brasil recente. Esse marco teria indicado caminhos para a consolidação de um estado do bem-estar social cujos princípios se aproximam de ideais universalistas.
Tem sido menos notada, contudo, uma crítica inflexão: a partir de 1988, o sistema tributário brasileiro passou a assumir caráter crescentemente regressivo (Gobetti & Orair, 2016; Kerstenetzky, 2017). A Constituição teria impelido o Estado a assumir funções abrangentes na garantia de direitos sociais e novos patamares de gastos, sem explicitamente ampará-los em arrecadação progressiva. Mais do que isso: criou mecanismos e formas de arrecadação que gradativamente viriam a comprometer a equidade do sistema tributário, como evidenciaremos neste artigo.
Enquanto se aventa a hipótese de que a perda de progressividade pós-CF 1988 estaria a refletir uma mudança de convenção fiscal no mundo pós-anos 1980 (Gobetti & Orair, 2016), desse modo destacando a incidência de fatores exógenos, neste trabalho exploramos a hipótese alternativa de um acordo subjacente à Constituição (sugerida em Kerstenetzky, 2017), hipótese por assim dizer endógena, segundo a qual teriam sido amplamente acolhidas medidas favoráveis à expansão dos gastos sociais desde que seu financiamento não incidisse progressivamente sobre os mais ricos.
Tal hipótese é investigada de modo preliminar e indireto por meio da narração de eventos e circunstâncias que envolveram questões de justiça fiscal, durante e após o processo constituinte. Dois momentos são destacados: 1) o momento anterior à promulgação da Constituição, quando foram apresentadas à Assembleia Nacional Constituinte (ANC) propostas consistentes para a construção de um sistema tributário progressivo; e 2) os anos seguintes à promulgação da Carta, período em que foram regulamentadas decisões e introduzidas modificações que tornariam o sistema tributário cada vez menos progressivo.
Para a análise do primeiro momento, nos deteremos na proposta de reforma tributária, apresentada à ANC, por uma comissão de especialistas constituída com o intuito de subsidiar as discussões da Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças. A proposta é analisada em detalhe no que respeita à tributação progressiva. Ademais, reconstituímos sua tramitação na ANC, desde a apresentação na referida Comissão até a fase final, na Comissão de Sistematização e posterior votação em plenário, quando se encerram os trabalhos constituintes. No segundo momento, documentamos as modificações sofridas pela tributação sobre a renda e o patrimônio, a partir da promulgação da Constituição, que redundariam em ulterior perda de progressividade no sistema tributário brasileiro.
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