1) O que a economia em retração precisa é da sustentação, e não subtração, do poder de compra das famílias.
É crucial na crise reverter o círculo vicioso colocado em marcha pela interrupção forçada da produção, demissões, queda do consumo, baixa das vendas, compressão de lucros e novas demissões.
Uma vez que os efeitos econômicos da pandemia se estenderão por mais de um trimestre, a prorrogação do auxílio emergencial aos trabalhadores mais vulneráveis é fundamental, como aliás desde sempre propugnaram as entidades de classe dos servidores: i) ajuda a atender as necessidades básicas de mais de ¼ da população brasileira; ii) compensa parcialmente a paralisia das vendas; iii) fomenta as receitas de empresas e prestadores de serviços.
Cortar salários dos servidores públicos atua na direção contrária ao requerido pela atividade econômica nesse momento: dificulta o pagamento de dívidas e despesas fixas das famílias, reduz o consumo, prejudica vendas e negócios.
2) O governo federal já possui o dinheiro para pagar a prorrogação do auxílio emergencial sem precisar cortar salários.
Em um trimestre, o custo estimado da renda emergencial é de R$ 152,6 bilhões.
Em contraste, o caixa do governo federal em abril dispunha de R$ 1,2 trilhão.
Além disso, no primeiro semestre deste ano, em razão da valorização do dólar, as reservas internacionais depositadas no Banco Central geraram um lucro próximo de R$ 500 bilhões, que mediante alteração de lei ordinária (Lei 13.820/2019) pode ser transferido ao governo federal para financiar gastos emergenciais na crise.
3) Quem emite R$ 1,2 trilhão para garantir a estabilidade do sistema financeiro pode arcar com R$ 152,6 bilhões adicionais para os 50 milhões de trabalhadores mais vulneráveis.
O Banco Central estimou em R$ 1,2 trilhão o potencial de injeção de dinheiro novo no sistema financeiro em decorrência do combate à crise. Sem contar as compras e vendas pela autoridade monetária de títulos privados nos mercados secundários autorizadas pelo Congresso (Emenda Constitucional 106).
Isso demonstra que, mesmo se não contasse com dinheiro em caixa para pagar o auxílio emergencial, o governo federal poderia se endividar ou emitir moeda para combater a pandemia.
Garantir a todo custo a solvência do mercado na crise e, em contraste, barganhar com a população, governadores e prefeitos a defesa da vida e da renda, é opção política e não uma imposição financeira.
4) Além de possuir o dinheiro, o governo federal já está autorizado legalmente este ano a gasta-lo com a população.
Com a decretação da calamidade pública e a promulgação da Emenda Constitucional 106, a chamada Emenda Constitucional do Orçamento de Guerra, foram suspensas este ano as regras fiscais (resultado primário, teto de gastos e regra de ouro) que restringiam a execução de despesas em 2020.
Não há, portanto, limite legal ao aumento do gasto público emergencial, ou seja, não é preciso tirar de uma parte do orçamento para alocar em políticas de combate à crise.
5) Também não há restrição econômica ao aumento do gasto público este ano.
Não há restrição econômica porque o aumento do gasto público, dada a capacidade ociosa da economia, não gerará inflação. As expectativas de mercado ao final de maio coletadas pelo Banco Central apontavam inflação de 1,5% para 2020 e de 3,1% no ano que vem, recorde históricos de baixa.
Do lado das contas externas do país também não há restrição de curto prazo. As taxas de juros internacionais estão em níveis mínimos. Com a injeção de liquidez dos bancos centrais nos países ricos, há abundância de capitais externos. A queda das exportações provocada pela recessão global foi acompanhada por redução de importações. Além disso, o país conta com mais de US$ 300 bilhões de reservas internacionais, um seguro contra turbulências.
6) Reduzir sem necessidade salário de servidor público é escolha ideológica.
Ao injetar mais de R$ 1,2 trilhão no mercado financeiro, governo e Congresso não cogitaram ampliar a taxação de lucros ou reduzir salários dos diretores de bancos.
No entanto, para prorrogar o auxílio emergencial necessário à defesa da vida da população, cobra-se contribuição dos trabalhadores do serviço público que: i) estão à frente da prestação de serviços à população; ii) sofreram redução de renda este ano em função da majoração das alíquotas previdenciárias; e iii) estão com salários congelados até dezembro de 2021.
7) A economia com a redução de salários é inócua, não representará nem 1% do gasto do governo com a crise.
Somando-se a prorrogação do auxílio emergencial com os demais gastos em defesa da população e com a sustentação do mercado financeiro, estima-se em R$ 1.773 bilhões os dispêndios do governo federal com a crise em 2020.
Supondo uma redução linear de 25% dos salários dos servidores ativos federais por três meses, isso redundará em economia de R$ 10,6 bilhões.
O corte de salários, portanto, além de desnecessário e contraproducente do ponto de vista econômico, é inócuo para as contas públicas representando 0,6% do gasto contra a crise.
8) É a recuperação da economia e não o corte de gastos na crise que promove a melhoria das contas públicas.
9) Não é o corte de salários de servidores públicos que promoverá justiça distributiva, mas a reforma tributária solidária deslocando a tributação do consumo, dos mais pobres, para a renda e riqueza dos mais ricos.
(*) Mestre em Economia, Secretário Executivo do UNACON - Sindicato Nacional dos Auditores e Técnicos Federais de Finanças e Controle.