Artigos e Apresentações
Privilégios dos servidores públicos
Luciano Zini/Jornal do Comércio
Bate o sinal para a hora do lanche. A tia da merenda coloca uma concha de arroz doce, receita especial e rara na escola pública estadual. Era década de 90, lembro vagamente do Kinder Ovo a 50 centavos da moeda nova e algumas frases perdidas de que talvez teriam sido os melhores momentos para a educação pública. Vez ou outra uma travessura com bola enquanto a funcionária da limpeza fazia o seu trabalho no meio da molecada.
As tias, jeito carinhoso que os alunos estendem a essas servidoras, criam tanto vínculo quanto os professores. Essas tias têm como sala o espaço do banheiro, que guarda seu material de trabalho. Elas acompanham o nosso desenvolvimento, o nosso crescimento. Reconhecem quando cruzam com a gente no futuro. Só pouco se fala sobre a realidade de seu dia a dia. As mais de 900 mil matrículas da rede pública estadual também são marcadas pelas cerca de 20 mil tias, tios, os servidores das escolas. Responsáveis por trabalhos repetitivos na cozinha, adquirem doenças ocupacionais, responsáveis por limpar as salas de aula, os banheiros, os espaços frequentados por até 700 crianças (muitas vezes apenas uma pessoa para tudo).
Outra questão importante a ser citada é a de saúde pública: os agentes patogênicos podem estar presentes nos banheiros e esses funcionários realizam a limpeza, muitas vezes, sem o mínimo de material de segurança e sequer recebem insalubridade para executar tarefas que colocam sua vida em risco. A matriz salarial beira a escravidão: em pleno 2020, varia de R$233,99 a R$815,21 prevista na defasada Lei Estadual 11672/2001, precisa de completivo do Estado para fechar o mínimo. E ainda ter de conviver com a opinião pública que já associa o cargo de servidor público a privilégio. Além de toda a pressão, preconceito, racismo, assédio moral e no contexto de pandemia, onde professores e alunos estão em casa cumprindo o isolamento, os servidores da escola são convocados a abrirem os estabelecimentos.
Enquanto isso, o Rio Grande do Sul contribuiu para o Fundo de Participação dos Estados com 4,8% em 2018 e recebeu apenas 2,2% no mesmo ano. A equiparação entre contribuição e recebimento teria gerado uma receita adicional de R$1,84 bilhão, 74% do que o governo estadual economizou com a aprovação do pacote que retirou vantagens, inclusive da classe de servidores das escolas públicas. Que privilégio, hein?