O Brasil começou a se industrializar nos anos 1920. Por 60 anos, nossas políticas econômicas foram guiadas pela ideia de industrialização necessária para melhorar o padrão de vida da população e modernizar o país. A partir dos anos 1950, os países asiáticos também adotaram a industrialização como caminho à modernidade. Os resultados foram significativos. Tanto o Brasil quanto os países asiáticos passaram a crescer a taxas elevadas. Entre 1920 e 1980, com crescimento industrial em dois dígitos, o PIB brasileiro cresceu 6% ao ano, com uma aceleração para 7% durante 1950-80, quando os asiáticos passaram a crescer a taxas “milagrosas”. Empregos “bons”, estáveis e com salários maiores se realizam por meio do crescimento industrial.
Nos últimos 40 anos, os asiáticos continuaram se industrializando e crescendo. Demonstraram que é possível chegar a ser uma nação desenvolvida em duas ou três gerações. O Brasil estava a caminho, mas parou em 1980. Desde então, mesmo antes do colapso econômico pós-2014, o PIB brasileiro cresceu pouco acima da taxa de crescimento da população. O resultado? Em 1980 a renda per capita do brasileiro era duas vezes a do coreano. Hoje a do coreano é duas vezes a do brasileiro. Desde 1980 o desenvolvimento da agricultura brasileira se acelerou e chegou a taxas “milagrosas”, mas isto não foi suficiente para contrabalançar o colapso do setor industrial cuja participação no PIB caiu de 31% do PIB em 1980 a menos de 10% em anos recentes.
Na mente de muitos economistas e analistas econômicos, a industrialização deixou de ser o caminho à modernidade. As intervenções governamentais passaram a ser visto como um ativismo perigoso. Deixada a si só, a economia encontraria seu caminho. Se a agricultura cresce, por que nos preocupar com a falta de crescimento da indústria? Essa visão ganhou fôlego e força. Muitos economistas de renome e influentes se convenceram de que se agricultura e mineração crescerem a taxas altas, o declínio da indústria brasileira não teria de ter maiores consequências. As consequências são severas. As últimas décadas demonstram que a agricultura não pode compensar a falta de crescimento industrial e fazer com que a economia como um todo cresça às taxas de 4-5-6% que o país precisa.
Além do mais, o aumento de produtividade na agricultura reduz o emprego agrícola, agora menos de um quinto do emprego total. Sem dinamismo industrial, aumenta a informalização da forca de trabalho. Estudos empíricos em muitos países mostram que os empregos “bons”, estáveis e com salários maiores se realizam através do crescimento industrial. Finalmente, por mais dinâmico e sofisticado que o setor agrícola seja, sem crescimento industrial o Brasil não poderá integrar o mundo moderno da indústria farmacêutica, microbiologia, eletrônica, inteligência artificial, etc. Políticas econômicas e diferenças estruturais explicam o diferencial de crescimento entre agricultura e indústria. Políticas econômicas adversas à indústria começam com o aumento do preço do petróleo nos anos 1970 que levou a Coreia por exemplo, a abrir sua economia e por a ênfase na industrialização com exportações de manufaturados. No Brasil, a “segunda fase de substituição de importações” abandonou o foco sobre exportações de manufaturados, fechou a economia e criou uma estrutura industrial dependente de alta proteção.
Nos anos 1980, com um segundo choque petróleo e aumento das taxas de juros internacionais manteve-se um câmbio apreciado. Finalmente, a partir do Plano Real a luta contra inflação dominou as políticas econômicas. O tripé de superávits primários, taxas de juros altas, e taxas de câmbio flexíveis e apreciadas, necessário nos primeiros anos do Plano Real, se manteve até hoje respondendo às necessidades, tanto reais como imaginadas, de estabilização econômica, não às da economia real. Por duas décadas os juros constituíram o maior item de despesa do governo federal, apesar de uma dívida pública modesta.
A agricultura brasileira sofreu os mesmos choques, mas reagiu de maneira diferente. O câmbio cronicamente apreciado fez com que a indústria perdesse mercado externo e interno. A agricultura combateu o câmbio baixo com aumentos de produtividade nada menos do que revolucionários. Pôs o foco no mercado externo, criou seus próprios canais de financiamento interno e externo e integrou-se nas cadeias de valor internas e externas. Em duas décadas o Brasil tornou-se um dos maiores produtores mundiais. No aumento de produtividade agrícola a Embrapa teve um papel central. A Embrapa beneficiou-se de amplos recursos governamentais, capacidade empresarial, inovações técnicas e organizacionais. Poderia a indústria se beneficiar de algo similar? Há diferenças estruturais entre os dois que o impedem. A agricultura produz os mesmos produtos há milênios. Um grão de trigo é um grão de trigo desde a antiguidade. Um ovo é um ovo há milhares de anos. O mesmo é verdade para todos os produtos agrícolas. O que muda na agricultura é o método de produção, não o produto.
Na indústria seria difícil encontrar um produto com mais de cem anos. O leque de produtos agrícolas é muito menor do que o leque de produtos industriais. Inovações tecnológicas na agricultura se repercutem através de milhares de produtores que produzem o mesmo produto. Pode levar tempo, mas, uma vez adotada, uma nova tecnologia não caduca em 5-10 anos como ocorre na indústria. Além do mais, cada agricultor que absorve uma nova tecnologia se torna um difusor dessa tecnologia. Não há o que esconder de um concorrente. A nova semente pode ser segredo, mas para a difusão de uma nova semente há toda uma estrutura de suporte técnico, privado e público. O custo de introduzir uma nova tecnologia para um agricultor é muito menor: ele pode testar em uma área, ter resultado em um ano, e no ano seguinte pode adotar a nova tecnologia. Na indústria o investimento para experimentação é muito maior. Essas diferenças estruturais fazem com que não é realista esperar que a indústria brasileira se recupere com inovações técnicas.
A Embraer é uma façanha tecnológica, há outras, mas essas são pontuais, levaram décadas para frutificar e não podem ser reproduzidas em grande escala como é o caso na agricultura. Por último, o custo Brasil teve efeitos perversos na indústria, mas não é a causa única do declínio industrial, e talvez não a principal. O protecionismo foi fatal para a indústria. O agronegócio usa indústria, serviços e logística que representam mais da metade do custo final do produto. E ainda assim é competitivo. Recriar as condições de políticas micro e macroeconômicas permitindo a retomada do crescimento industrial pari-passo com o crescimento agrícola é fundamental para o futuro do país.
Carlos Luque é professor da FEA- USP e presidente da Fipe.
Simão Silber é professor da FEA-USP
Francisco Vidal Luna é professor da FEA aposentado
Roberto Zagha foi professor Assistente na FEA-USP.