Comentários relativos ao projeto de Reforma Tributária do Estado com base na Cartilha apresentada pelo Governo. A proposta anuncia vários objetivos altamente meritórios, em especial, simplificação, eliminação de benefícios fiscais e redução do peso dos impostos sobre o consumo.
No entanto, nas 50 páginas de exposição, não há uma só referência ao principal e, de longe, o mais grave problema das finanças estaduais, isto é, o DÉFICIT que no próximo ano deve superar os R$ 7 bilhões.
São R$ 7 bilhões da Carga Tributária que serão lançados nos ombros dos futuros contribuintes, nos ombros de nossos filhos e netos que teimarem ficar aqui no Rio Grande. São R$ 7 bilhões que não poderão ser usados em saúde, educação, segurança, investimentos e, sim, no pagamento de dívidas feitas por nós.
Como se poderia adjetivar a atual relação entre gerações que deveria ser solidária?
Em adição, a Cartilha informa que as perdas em 2021 com a redução das alíquotas atuais de 30% para 25% deverão atingir R$ 2,8 bilhões, além de novas quedas estimadas em R$ 700 milhões (p. 42).
Some-se ainda o acréscimo de gastos com o novo FUNDEB que não pode ser ignorado.
Embora seja assunto alheio à Cartilha, porém, com obrigatória análise na formulação da proposta, um segundo ponto importantíssimo diz respeito à tradição historicamente sedimentada no sistema presidencialista, em particular no âmbito fiscal, que é a aprovação e, até, a ampliação dos benefícios propostos pelo Executivo e a resistência à aprovação de aumentos de encargos, principalmente, que onerem seus grupos de apoio.
De fato, a proposta prevê a concessão de alguns benefícios, em especial, a extinção do Diferencial de Alíquotas (Difal) e, em contrapartida, a imposição de encargos, como o aumento do IPVA e de algumas alíquotas do ICMS, e a redução da faixa de isenção do Simples Nacional.
Assim, cabe indagar se o Governo dispõe de sólida base na Assembleia capaz de manter os vetos que, certamente, serão necessários, visto que, p. ex., a extinção do Difal já foi incorporada ao patrimônio de grande parte do empresariado e já conta com expressivo apoio de parlamentares, lembrando que a AL já aprovou lei nesse sentido. De outra parte, a aprovação do aumento do IPVA deverá ser extremamente difícil, assim como o aumento de alíquotas do ICMS, em especial, do GLP, energia elétrica rural e itens da cesta básica.
Pontualmente, alguns aspectos podem ser abordados.
Um IVA puro orientado pelo princípio do destino, com alíquota única, sem qualquer benefício fiscal é, certamente, o tributo moderno mais simples que existe. A incrível complexidade manicomial do ICMS provém das inúmeras figuras criadas para conceder benefícios, em sua maior parte, por pressão de grupos empresariais que, ao mesmo tempo, são os maiores críticos do emaranhado tributário daí resultante.
Em resumo, os benefícios e auxílios devem ser concedidos pela via orçamentária para garantir, também, a transparência.
Dessa forma, direcionar o órgão de administração tributária à administração e distribuição auxílios financeiros é um contrassenso. Observe-se que na distribuição do Auxílio de Emergência foram constatados mais de 30 milhões de brasileiros “esquecidos”. Eles e os demais miseráveis se integrariam ao programa proposto, nova versão do NF Gaúcha? Não haverá problemas administrativos na distribuição? E fraudes? Empregados fazendo compras em nome de seus patrões por exemplo.
O Diferencial de Alíquotas, no contexto da legislação vigente, é imperiosa medida de justiça fiscal e de proteção dos industriais, distribuidores, atacadistas deste Estado fornecedores de mercadorias às pequenas empresas. De fato, quais contribuintes enquadrados no Simples Nacional deixariam de adquirir mercadorias taxadas com 12% provindas de outros Estados e as comprariam aqui com ICMS de 18%? Em outras palavras, o DIFAL é sim estímulo à atividade econômica aqui do Estado.
A Cartilha silencia sobre esse importantíssimo aspecto e, ao contrário, refere que haverá um incremento nas compras internas resultante da redução da alíquota do ICMS. No entanto, relativamente aos incluídos no Simples, está previsto equilíbrio tributário entre as compras internas e de fora do Estado. Dispensável enfatizar que o desestímulo atual a essas compras é muito mais efetivo.
Não fora esse lapso, apesar de prever novo teto de isenção total a partir de 2022, a Cartilha qualifica como “diferimento parcial” a redução da alíquota estendida para “as empresas do Simples Nacional (p.19). Ora, abstraindo a questão relativa a perdas atuais do ICMS no âmbito do Simples, na situação proposta a parcela ali denominada de diferimento parcial não está previsto reajuste da alíquota de participação do ICMS. Em outros termos, a implementação da proposta representará concessão de mais um benefício fiscal.