Este trabalho compara as alterações constitucionais propostas pela PEC nº 110/2019, do Senado Federal, e pela PEC nº 45/2019, da Câmara dos Deputados, ambas tratando de reforma tributária.
Esclareça-se que a PEC nº 110/2019 tem conteúdo idêntico ao Substitutivo aprovado na Comissão Especial da PEC nº 293/2004 da Câmara dos Deputados em dezembro de 2018, tendo como relator o Deputado Luiz Carlos Hauly.
À guisa de consolidação e complementação das informações tratadas no quadro em anexo, temos a registrar o que se segue.
Reforma Tributária: PEC 110/2019 e PEC 45/2019
Em ambas as proposições, a alteração do Sistema Tributário Nacional tem como principal objetivo a simplificação e a racionalização da tributação sobre a produção e a comercialização de bens e a prestação de serviços, base tributável atualmente compartilhada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Nesse sentido, ambas propõem a extinção de uma série de tributos, consolidando as bases tributáveis em dois novos impostos:
(i) um imposto sobre bens e serviços (IBS), nos moldes dos impostos sobre valor agregado cobrados na maioria dos países desenvolvidos; e
(ii) um imposto específico sobre alguns bens e serviços (Imposto Seletivo), assemelhado aos excise taxes.
1) Sobre o imposto sobre bens e serviços:
A base de incidência do IBS em ambas as propostas é praticamente idêntica: todos os bens e serviços, incluindo a exploração de bens e direitos, tangíveis e intangíveis, e a locação de bens, operações que, em regra, escapam da tributação do ICMS estadual e do ISS municipal no quadro normativo atualmente em vigor.
As propostas, por outro lado, trazem diferenças significativas em relação aos seguintes pontos:
Competência tributária do IBS:
PEC 110: tributo estadual, instituído por intermédio do Congresso Nacional, com poder de iniciativa reservado, basicamente, a representantes dos Estados e Municípios (exceto por uma comissão mista de Senadores e Deputados Federais criada especificamente para esse fim ou por bancada estadual);
PEC 45: tributo federal (embora esteja previsto em um novo art. 152-A, e não no art. 153, da Constituição Federal, dispositivo que prevê os impostos federais), instituído por meio de lei complementar federal (exceto em relação à fixação da parcela das alíquotas destinadas à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a ser definida por lei ordinária de cada ente federativo).
Número de tributos substituídos pelo IBS:
PEC 110: são substituídos nove tributos, o IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS, ISS;
PEC 45: são substituídos cinco tributos, o IPI, PIS, Cofins, ICMS, ISS.
Determinação da alíquota do IBS:
PEC 110: lei complementar fixa as alíquotas do imposto, havendo uma alíquota padrão; poderão ser fixadas alíquotas diferenciadas em relação à padrão para determinados bens ou serviços; portanto, a alíquota pode diferir, dependendo do bem ou serviço, mas é aplicada de maneira uniforme em todo o território nacional;
PEC 45: cada ente federativo fixa uma parcela da alíquota total do imposto por meio de lei ordinária, federal, estadual, distrital ou municipal (uma espécie de “sub-alíquota”); uma vez fixado o conjunto das “sub-alíquotas” federal, estadual e municipal (ou distrital), forma-se a alíquota única aplicável a todos os bens e serviços consumidos em ou destinados a cada um dos Municípios/Estados brasileiros; é criada a figura da “alíquota de referência”, assim entendida aquela que, aplicada sobre a base de cálculo do IBS, substitui a arrecadação dos tributos federais (IPI, PIS, Cofins) excluída a arrecadação do novo Imposto Seletivo, do ICMS estadual e do ISS municipal; assim, todos os bens e serviços destinados a determinado Município/Estado são taxados por uma mesma alíquota, mas a tributação não é uniforme em todo território nacional, pois cada Município/Estado pode fixar sua alíquota.
Concessão de benefícios fiscais:
PEC 110: autoriza a concessão de benefícios fiscais (por lei complementar) nas operações com alimentos, inclusive os destinados ao consumo animal; medicamentos; transporte público coletivo de passageiros urbano e de caráter urbano; bens do ativo imobilizado; saneamento básico; e educação infantil, ensino fundamental, médio e superior e educação profissional;
PEC 45: não permite a concessão de benefício fiscal.
Ambos os textos preveem a possibilidade de devolução do imposto recolhido para contribuintes de baixa renda, nos termos de lei complementar.
Partilha da arrecadação do IBS:
PEC 110: o produto da arrecadação do imposto é partilhado entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios segundo o método previsto nas regras constitucionais descritas no novo texto constitucional proposto na Emenda, ou seja, mediante entrega de recursos a cada ente federativo conforme aplicação de percentuais previstos na Constituição sobre a receita bruta do IBS (repasse de cota-parte);
PEC 110: cada ente federativo tem sua parcela na arrecadação do tributo determinada pela aplicação direta de sua “sub-alíquota”, fixada conforme descrito anteriormente, sobre a base de cálculo do imposto.
Vinculação da arrecadação do IBS (saúde, educação, fundos constitucionais, seguro-desemprego, BNDES etc.):
PEC 110: o produto da arrecadação do imposto é vinculado às despesas e aos fundos de acordo com o método fixado nas regras constitucionais propostas pela PEC, ou seja, mediante aplicação de percentual sobre a arrecadação para definir a entrega direta de recursos (fundos constitucionais, seguro desemprego, BNDES) ou piso mínimo de gastos (saúde, educação);
PEC 45: as destinações estão vinculadas a parcelas da sub-alíquota de cada ente federativo, fixadas em pontos percentuais e denominadas “alíquotas singulares”. A soma dessas “alíquotas singulares”, definidas pelo ente para cada destinação constitucional e para a parcela de receita desvinculada, representará o valor da alíquota aplicável para aquele ente federativo.
Transição do sistema de cobrança dos tributos:
PEC 110: durante um ano é cobrada uma contribuição “teste” de 1%, com a mesma base de incidência do IBS, e, depois, a transição dura cinco anos, sendo os atuais tributos substituídos pelos novos tributos à razão de um quinto ao ano (os entes federativos não podem alterar as alíquotas dos tributos a serem substituídos);
PEC 45: durante dois anos é cobrada uma contribuição “teste” de 1%, com a mesma base de incidência do IBS, e, depois, a transição dura oito anos, sendo os atuais tributos substituídos pelos novos tributos à razão de um oitavo ao ano (os entes federativos podem alterar as alíquotas dos tributos a serem substituídos).
Transição da partilha de recursos:
PEC 110: no total, a transição será de quinze anos; a partir da criação dos novos impostos, cada ente federativo (União, cada Estado, Distrito Federal e cada Município) receberá parcela das receitas dos impostos novos de acordo com a participação que cada um teve na arrecadação dos tributos que estão sendo substituídos; após a implementação definitiva do novo sistema de cobrança, prevista para durar 5 anos, a regra retro descrita é progressivamente substituída pelo princípio do destino, à razão de um décimo ao ano;
PEC 45: no total, a transição será de cinquenta anos; durante vinte anos a partir da criação dos novos impostos, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios receberão (i) valor equivalente à redução de receitas do ICMS ou ISS, em virtude da extinção desses tributos; (ii) valor do aumento/diminuição da arrecadação em virtude de alterações das alíquotas de competência de cada ente federado e (iii) superávit/déficit de arrecadação após consideradas as duas parcelas anteriores, que será distribuído proporcionalmente pelas regras de partilha do novo IBS (princípio do destino mediante apuração do saldo de débitos e créditos); a partir do vigésimo primeiro ano, a parcela equivalente à redução do ICMS e do ISS (parcela “i”, acima) será reduzida em um trinta avos ao ano, passando a receita a ser distribuída segundo o princípio do destino.
2) Sobre o Imposto Seletivo:
PEC 110: imposto de índole arrecadatória, cobrado sobre operações com petróleo e seus derivados, combustíveis e lubrificantes de qualquer origem, gás natural, cigarros e outros produtos do fumo, energia elétrica, serviços de telecomunicações a que se refere o art. 21, XI, da Constituição Federal, bebidas alcoólicas e não alcoólicas, e veículos automotores novos, terrestres, aquáticos e aéreos;
PEC 45: impostos de índole extrafiscal, cobrados sobre determinados bens, serviços ou direitos com o objetivo de desestimular o consumo. Não são listados sobre quais produtos ou serviços o tributo irá incidir. Caberá à lei (ordinária) ou medida provisória instituidora definir os bens, serviços ou direitos tributados.
3) Outras matérias:
Além do rearranjo da tributação sobre bens e serviços, a PEC 110 contempla outras matérias não previstas na PEC 45, sendo as mais destacadas as seguintes:
- extinção da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), sendo sua base incorporada ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ);
- transferência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), da competência estadual para a federal, com a arrecadação integralmente destinada aos Municípios;
- ampliação da base de incidência do Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor (IPVA), para incluir aeronaves e embarcações, com a arrecadação integralmente destinada aos Municípios;
- autorização de criação de adicional do IBS para financiar a previdência social;
- criação de fundos estadual e municipal para reduzir a disparidade da receita per capita entre os Estados e Municípios, com recursos destinados a investimentos em infraestrutura.
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*Consultores Legislativos da Área III Direito Tributário e Tributação