Já passamos dos 100 mil mortos pela covid-19 e isso é realmente uma tragédia humanitária sem precedentes no Brasil e ainda continuamos na parte ascendente da linha de contágio. A crise econômica, que já era grave antes da pandemia, agora se agudiza de forma profunda. Só não vê quem não quer. Organismos internacional preveem queda da atividade econômica de mais de 7% ao ano para o Brasil. O momento exige medidas urgentes. Crises semelhantes no passado foram enfrentadas com tributação elevada sobre os grandes patrimônios e sobre as altas rendas. Pouca gente sabe, mas os EUA, por exemplo, mantiveram alíquotas superiores do Imposto Renda na faixa de 80%, desde o final da II Guerra até o início da década de 1980.
O papel do Estado é central no enfrentamento da pandemia. É preciso ampliar com urgência os investimentos no SUS, nas pesquisas e nas medidas de prevenção. Também é central e imprescindível a ação direta do Estado e dos investimentos públicos para criar as condições de retomada da atividade econômica, especialmente para as pequenas e médias empresas. Mas é, justamente neste momento, quando mais se necessita do Estado, que a arrecadação dos tributos sofre suas maiores quedas.
O tema central dos debates públicos neste contexto, como já vem ocorrendo na maioria dos países, deveria ser o da necessidade urgente de ampliação da tributação dos super ricos para fortalecimento do Estado e das políticas públicas. Uma pesquisa recente publicada pela Oxfam Brasil revelou que os 42 bilionários brasileiros tiveram, durante os cinco meses da pandemia, aumento de suas riquezas em mais de R$ 175 bilhões, valor superior a todo o orçamento da Saúde pública para 2020. Um manifesto de 83 super ricos do mundo, a maioria dos EUA, pede: “Tributem-nos, é a escolha certa”.
Além disso, é sabido que as classes mais ricas no Brasil são muito menos tributadas do que as mais pobres e este é um dos motivos da profunda desigualdade social em nosso País. Portanto, é preciso incluir na agenda dos debates públicos, a necessidade de se promover desoneração de tributos para os mais pobres e as pequenas empresas e elevação da tributação sobres os mais ricos. Nenhuma medida será eficaz, no entanto, enquanto vigorar o congelamento dos gastos públicos, o que impõe a necessidade de revogar ou suspender a Emenda Constitucional 95/2016.
Neste sentido, no dia 6 de agosto, diversas entidades de classe e da sociedade civil[1] lançaram o documento “TRIBUTAR OS SUPER RICOS PARA RECONSTRUIR O PAÍS” , com a presença de inúmeros parlamentares e de representantes da sociedade. O documento apresenta oito propostas emergenciais, com os respectivos textos de projetos de leis, que podem promover um aumento de arrecadação de mais de R$ 290 bilhões, onerando apenas 0,3% da população e desonerando as baixas rendas e as pequenas empresas.
Segundo os autores e coordenadores do estudo, as propostas apresentadas têm caráter emergencial e, portanto, não devem ser consideradas como uma alternativa para uma reforma tributária mais ampla. Os debates mais aprofundados sobre um novo modelo de tributação para o Brasil são importantes e devem ser feitos, mas não neste momento em que a gravidade da crise exige medidas urgentes.
As oito propostas elaboradas no referido documento são:
1) correção das distorções no Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF); 2) ampliação da alíquota da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) do setor financeiro e extrativo mineral; 3) criação da Contribuição Social Sobre Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSAR); 4) instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF); 5) modificação das regras para o Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD); 6) redução de alíquota para o SIMPLES NACIONAL; 7) nova repartição de receitas com Estados e Municípios; e 8) regras para revisão dos benefícios fiscais e combate à sonegação e evasão.
Em relação ao IRPF, a principal medida proposta é a revogação da isenção dos Lucros e Dividendos distribuídos, criada em 1995 e que faz com que as alíquotas sobre as altas rendas sejam muito menores do que as alíquotas sobre rendas mais baixas e intermediárias. Além disso, propõe-se a criação de uma nova tabela de alíquotas aumentando o limite de isenção para baixas rendas e elevando as alíquotas superiores para até 45%. O resultado esperado é de um aumento potencial de arrecadação de quase R$ 160 bilhões, mas também uma desoneração para a maioria dos contribuintes, com rendas mais baixas, que terão redução no seu IRPF em mais de R$ 16 bilhões.
O setor bancário, que vem comemorando recordes de lucros, mesmo em período de crescimento negativo do PIB, também está sendo chamado a contribuir com uma elevação da alíquota da CSLL. Da mesma forma, o setor extrativo mineral, predominantemente exportador que tem acumulado ganhos por conta do aumento da taxa de câmbio, também terá aumento em sua alíquota da CSLL. Essas medidas podem ampliar a arrecadação em mais de R$ 40 bilhões.
A criação da Contribuição sobre Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSAR), juntamente com a CSLL, visa a garantir a manutenção do financiamento da Seguridade Social, área altamente demandada neste momento, com tributos de natureza mais progressiva. A CSAR deverá incidir, com alíquota de 10%, apenas sobre rendas de pessoas físicas que ultrapassem a R$ 60 mil por mês. Assim, quem ganha R$ 70 mil, pagará 10% sobre R$ 10 mil. Este tributo pode gerar uma arrecadação adicional de R$ 35 bilhões e atingirá apenas 208 mil dos 30 milhões de contribuintes do IRPF.
A criação do IGF é medida que se impõe pelo momento em que vivemos. Desde 1988, existe na Constituição Federal, a previsão de instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, mas até hoje nunca se conseguiu instituí-lo. A proposta de IGF apresentada tem potencial de arrecadação da ordem de R$ 40 bilhões, com incidência de alíquotas de apenas 0,5%, 1% e 1,5%, sobre faixas de riqueza de R$ 10 milhões a R$ 40 milhões, R$ 40 milhões a R$ 80 milhões e acima de R$ 80 milhões, respectivamente. De acordo com as informações dos contribuintes do IRPF, somente 59 mil pessoas (0,028% da população) é que declaram patrimônio superior a R$ 10 milhões.
As mudanças nas regras do ITCMD são no sentido de ampliar a alíquota máxima de 8% para 30% e criar uma alíquota mínima de 8%, permitindo aos Estados uma maior flexibilidade na administração deste importante tributo. Ressalta-se que a média das alíquotas superiores do imposto sobre heranças e doações, no mundo, está em torno de 35%.
Assim como as mudanças no IRPF promoverão a desoneração das rendas mais baixas, também as micro e pequenas empresas serão desoneradas pelas propostas apresentadas, com a isenção do IRPJ e da CSLL incidente sobre as receitas brutas de até R$ 360 mil anuais. Com isso as alíquotas iniciais para todas as empresas do SIMPLES serão reduzidas em até 60%, dependendo do tipo de atividade.
A proposta incorpora também uma nova forma de repartição de receitas da União. Pelo documento apresentado, além dos Fundos de Participação já existentes (FPM e FPE), que serão ampliados pela elevação da arrecadação do Imposto de Renda, propõe-se que 10% do Imposto de Renda e 20% do IGF sejam destinados aos Estados e Municípios, 50% proporcionalmente à população e 50% inversamente proporcional ao PIB per capita. Aos Estados, 8% do IR e 10% do IGF, e aos Municípios, 2% do IR e 10% do IGE. Com isso, os Estados terão um aumento estimado de recursos de R$ 86 bilhões e os Municípios, de R$ 56 bilhões.
Por fim, o documento apresenta também uma série de medidas para regular a concessão de benefícios fiscais, estabelecendo critério de revisão e ampliação da transparência em relação às renúncias. Também são propostas medidas importantes para ampliar a garantia dos créditos tributários e aperfeiçoamento dos instrumentos de cobrança e de combate à sonegação, dentre os quais, a revogação das medidas que afastam a punibilidade criminal pelo pagamento, nos casos de crimes contra a ordem tributária.
Exceto em relação a criação da CSLL e ao estabelecimento da nova repartição de receitas, nenhuma outra proposta dependerá de alteração constitucional e o caráter emergencial das propostas deve prevalecer e orientar os debates referentes ao enfrentamento da crise, neste momento. As medidas apresentadas trazem benefícios para a maioria da população, para as pequenas empresas (70% dos CNPJ e que empregam quase 12 milhões de trabalhadores), para os Estados e Municípios, reduzem as desigualdades e injetam grande quantidade de recursos na própria atividade econômica, fator relevante para a redução do desemprego.
Portanto, TRIBUTAR OS SUPER RICOS é bom para todos, até mesmo para os SUPER RICOS.