As relações entre fisco e contribuintes, embora nunca tenham sido fáceis, evoluíram ao longo do tempo. No Fórum Internacional Tributário, realizado pela Fenafisco e pela Anfip, em junho de 2018, a pesquisadora sueca Asa Marie Elisabeth Hansson (School of Economics and Management/Lund University, Suécia) referiu que a tributação, feita pela administração tributária da Suécia, prima pela consciência tributária e por mecanismos de participação social, com a finalidade de que todos cumpram suas obrigações de forma voluntária.
Disse também que a pressão tributária deve ser distribuída entre todos com equidade. Hansson, ao ser perguntada: “como seria visto um parlamentar que propusesse a redução da carga de impostos”, disse que este representante não seria mais eleito, não teria votos, pois estaria propondo a redução dos programas sociais e dos investimentos públicos. É claro que estamos falando de um país com ethos tributário desenvolvido, com carga tributária alta, mas serviços públicos de qualidade perceptível à população. Esta questão deve ficar como um norte aos nossos administradores e políticos, posto que por meio da educação fiscal e da participação, podemos evoluir, mesmo em um país em desenvolvimento.
Historicamente, na maioria dos países, as relações fisco e contribuintes são pautadas pelo poder de polícia, de um lado, e pala resistência ao cumprimento das obrigações, de outro. Costumeiramente, ao longo da história, as administrações tributárias transferem aos contribuintes as obrigações acessórias para que estes realizem a apuração e o pagamento do imposto. Ou seja, além do pagamento do imposto, é imputada aos contribuintes uma série de custos administrativos decorrentes da burocracia, em um sistema de regulamentação complexo. Ao fisco se reserva o poder de fiscalizar e punir em casos de erros, que não raro ocorrem, ou mesmo de desvios por sonegação. Este tipo de relação derrapa invariavelmente para o contencioso, seja de natureza administrativa, seja judicial. Não vou trazer aqui números, mas as estatísticas do contencioso no Brasil são impressionantes.
Entretanto, as relações fisco e contribuinte são objeto de constante atenção. O enfoque da OCDE destaca a necessidade de um compliance cooperativo entre fisco e contribuintes, baseado em direitos e responsabilidades. Ou seja, buscar novas formas de relação com transparência e confiança. É uma evolução, os sistemas tributários tendem a se tornar mais simples, mais bem compreendidos, e com menores custos de cumprimento. Para que um sistema tributário se aperfeiçoe, é também desejável que o contribuinte tenha direito à voz, o que reforça o respeito e a confiança entre as partes e diminui litígios. Uma importante mudança é a absorção das obrigações acessórias pela Administração Tributária. Com a tecnologia disponível e as transações comerciais sendo feitas em meios digitais, a própria Administração tem condições de apurar o imposto a ser pago, deixando o contribuinte livre para se dedicar ao seu negócio.
Dentro deste cenário, a Assembleia Legislativa do RS está analisando os projetos de Reforma do Sistema Tributário estadual, encaminhados pelo Poder Executivo. São os projetos de lei nº 184, nº 185, e o nº 186, todos de 2020. Os textos podem ser acessados no site da Assembleia Legislativa no link. É importante que estes projetos sejam analisados em conjunto, pois efetivamente formam um conjunto propositivo. O PL 184 traz em seu escopo principal uma redistribuição da carga tributária, tornando-a mais homogênea e menos regressiva. O PL 185 é um programa de conformidade que classifica os contribuintes de acordo com sua relação com o cumprimento das obrigações.
Dentro do enfoque das relações fisco x contribuintes, O PL 186 é um Código de Boas Práticas Tributárias que propõe a criação do Conselho de Boas Práticas Tributárias – CBPT, previsto enquanto um órgão consultivo. Ao Conselho, a ser presidido pelo Subsecretário da Receita Estadual (art. 7º ao art. 15), compete fazer sugestões, dando voz aos contribuintes, por meio de suas entidades representativas. O PL 186 também autoriza a criação de Câmaras Temáticas Setoriais. Nestas Câmaras Setoriais, a coordenação caberá ao Auditor Fiscal da RE que coordena o Grupo Setorial Especializado da Administração Tributária, permitindo uma relação especializada dentro do setor econômico. Ao Auditor caberá a coordenação, a organização, o planejamento e a condução das atividades. Nos artigos 19 e 20, com referência aos Acordos Setoriais que vierem a ser propostos, se forem julgados pertinentes, seguirão para consideração do subsecretário da RE que poderá aprovar ou não, podendo este também rescindir o Acordo a qualquer tempo.
É importante fazer a análise desses projetos em conjunto, para identificar seus méritos e eventuais pontos que possam ser reparados na Reforma Tributária gaúcha. Como consideração final, dentro do enfoque deste artigo, observamos que há uma proposta de início de mudança de paradigma nas relações da Administração Tributária com os contribuintes. Salientamos dois pontos importantes: a) com a tecnologia hoje existente, proporcionar a simplificação das obrigações acessórias aos contribuintes, diminuindo custos e riscos para ambas as partes; e, b) com a instituição de um Conselho de Boas Práticas, falar diretamente e dar voz aos contribuintes, permitindo o estabelecimento de melhores relações, ampliação da consciência e a acolhida de sugestões conjuntas que poderão aperfeiçoar o sistema tributário, também com ganhos recíprocos.