Editorial da Folha de São Paulo publicado no último domingo, 17, sob o sugestivo título “Justiça tributária”, questiona a relevância do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição Federal de 1988.
O argumento central da FSP para relegar o imposto a um papel secundário se lastreia na experiência internacional, que, na visão do editorialista, mostra que esse tipo de tributo tem “gestão difícil e arrecadação modesta”.
Permito-me apresentar uma visão diferente que, sem desconsiderar a experiência internacional, coloca em primeiro plano a realidade brasileira. Antes, porém, celebro a posição da FSP em favor de uma reforma tributária que não cuide apenas da simplificação, mas que também enfrente a regressividade do sistema tributário, atribuindo-se maior peso à tributação sobre a renda e o patrimônio, e menor sobre o consumo.
No tocante ao IGF, em parte a FSP tem razão quanto ao fato de que esse imposto não tem potencial para cumprir papel de ponta num sistema tributário progressivo, não exatamente porque tem baixo potencial arrecadatório no caso brasileiro, mas porque o imposto com maior potencial é, de muito longe, o Imposto de Renda.
Desde a Reforma Tributária Solidária (Fenafisco/Anfip), lançada em 2018, vimos apontando a regressividade como a principal anomalia do sistema tributário brasileiro, quando todas as vozes com espaço no debate público circunscreviam a reforma tributária à mera simplificação.
Mais recentemente, no documento “Tributar os super-ricos para reconstruir o país” (2020), apresentado por um conjunto de entidades, entre as quais a Fenafisco, defendemos a revogação imediata da isenção do IRPF sobre os lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas das empresas e, ainda no âmbito do Imposto de Renda das Pessoas Físicas, a reformulação da tabela de alíquotas. Propomos, por um lado, a isenção da renda mensal de até 3 salários mínimos e, por outro, a criação de novas alíquotas de modo a incrementar a carga efetiva do imposto sobre as rendas superiores a cerca de 35 salários mínimos.
A combinação dessas duas medidas no IR tem potencial de incremento da arrecadação do IRPF na ordem de R$ 158 bilhões anuais.
E quanto ao Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF)?
No citado documento, demonstramos que o IGF tem potencial de arrecadação de R$ 40 bilhões ao ano, atendidos os seguintes parâmetros: alíquota de 0,5% sobre as fortunas acima de R$ 10 milhões e até R$ 40 milhões; alíquota de 1% sobre as fortunas acima de R$ 40 milhões e até R$ 80 milhões; alíquota de 1,5% sobre as fortunas superiores a R$ 80 milhões.
De um lado, um novo IR, efetivamente progressivo, com potencial arrecadatório de R$ 158 bilhões por ano. Do outro, um IGF, também progressivo, com potencial de R$ 40 bilhões anuais, que seria cobrado apenas dos 0,3% mais ricos do país (os super-ricos).
Considerando a realidade brasileira, marcada por uma profunda concentração de renda, a segunda maior do mundo, segundo relatório da ONU. O IGF, mais do que necessário, é exigível e urgente.
Se é verdade que alguns países aboliram essa espécie de imposto, também é verdade que muitos outros ainda o mantém, como a França, que outros tantos operam o seu retorno, e que todos os países mais avançados e menos desiguais que o Brasil têm sistemas tributários assentados na renda e patrimônio.
Em vista disso, é sustentável até mesmo a tese da temporariedade do IGF, na perspectiva de um futuro desejado de redução dos níveis - hoje inaceitáveis - da desigualdade de renda. O que não se sustenta é a tese de que é dispensável ou indesejável um imposto que, sozinho, pode arrecadar mais do que todo o orçamento anual do maior programa de distribuição de renda no país, o Bolsa-Família.