Por mais que queiramos e desejemos que a virada de ano represente uma mudança súbita, uma ruptura com os dramas e desafios do ano anterior, a realidade sempre vem para nos lembrar que nossos sonhos se renovam, mas nossos pesadelos se repetem.
A economia brasileira não escapa dessa sina. O ano de 2020 registrou a segunda grande recessão no curto período de 5 anos. A primeira, entre 2015 e 2016, foi resultado de uma profunda crise política e graves erros de política econômica, particularmente a aposta equivocada em um choque recessivo para reabilitar uma economia estagnada.
Tão grave quanto a recessão foi a virtual estagnação que se seguiu ao “fundo do poço”, com taxas de crescimento próximas a 1% entre 2017 e 2019. Nunca antes na história do Brasil a recuperação de uma recessão foi tão lenta, mantendo taxas de desemprego e pobreza elevadas por tantos anos.
Então veio 2020 e a pandemia de coronavírus. Nos primeiros meses do ano, os dados já apontavam para um horizonte de baixo crescimento, com a desaceleração no último trimestre de 2019 se estendendo para o primeiro semestre de 2020. Mais um ano de estagnação e frustração nos esperavam, mas a pandemia transformou o marasmo em tormenta.
Além das centenas de milhares de vidas ceifadas pelo vírus, em grande medida graças a incompetência e negacionismo das autoridades, a atividade econômica desabou no segundo trimestre em meio ao isolamento social.
A reabertura das atividades no terceiro trimestre provocou um soluço de crescimento, mas incapaz de recuperar as perdas dos dois trimestres anteriores. A expectativa é que a velocidade do crescimento tenha diminuído no quarto trimestre e que a queda do PIB seja de aproximadamente 4,5% em 2020.
Na comparação com a realidade global, a recessão brasileira não foi das maiores. A adoção, à revelia do governo e por pressão da oposição do auxílio emergencial, do programa de preservação dos empregos formais, da (mesmo que tardia) facilitação do crédito para empresas e do auxílio a estados e municípios foram fundamentais para evitar um colapso absoluto da economia em 2020.
No entanto, no alvorecer de 2021, o governo decidiu que subitamente a pandemia acabou, a crise econômica foi superada e não será mais necessário nenhum incentivo a atividade econômica ou complementação de renda para os brasileiros. O argumento de que “acabou o dinheiro”, ou de que o “Brasil está quebrado”, foi contrabandeado do falso discurso neoliberal que domina o Brasil desde 2015 e apropriado por Bolsonaro para justificar sua inação.
Os resultados são previsíveis: com o fim do auxílio emergencial, milhões de brasileiros adentrarão o limiar da pobreza e se aproximam da insegurança alimentar. A falta de emprego e de renda deve frear o consumo das famílias, principal motor da economia brasileira, limitando a velocidade da recuperação mesmo em um cenário onde a pandemia persiste. Com isso, diversas empresas, já excessivamente endividadas, deverão encerrar suas atividades e/ou demitir os trabalhadores assim que o período de “estabilidade” previsto no acordo de redução de jornada de trabalho e salário perder seu efeito.
A alto do preço das commodities, que em geral é positivo para um país exportador de bens primário como o Brasil, pode seguir pressionando a inflação e obrigar o BC a aumentar a taxa de juros, que conjuntamente a retirada dos estímulos e linhas especiais de crédito, irá contribuir para uma recuperação mais vagarosa.
Por fim, o investimento público, único que seria capaz de dinamizar a economia e gerar empregos, seguirá esmagado e nos menores níveis de nossa história graças a manutenção do teto de gastos, cujo objetivo é destruir o Estado brasileiro no longo prazo.
Em grande medida, os dramas e desafios de 2021 são decorrência daqueles que atravessamos em 2020, maximizados pela decisão do governo de não agir e/ou atrapalhar a ação para conter os efeitos da pandemia, seja na saúde, seja na economia.
Enquanto o coronavírus segue seu curso de destruição, o Brasil parece ter desistido de enfrentá-lo, sob o comando de um presidente que se autodenomina “especialista em matar”. Provavelmente uma das poucas verdades que ele disse durante seu (quiçá curto) período ocupando a Presidência.