Em visita ao Ceará, no dia 26, o presidente, em discurso para uma multidão de apoiadores, disparou: “Esses que fecham tudo e destroem empregos estão na contramão daquilo que seu povo quer. Não me critiquem, vão para o meio do povo mesmo depois das eleições”.
O ato do presidente foi uma afronta não só aos governadores que estão determinando medidas em prol de um maior isolamento social, como o próprio Camilo Santana do Ceará, que se negou de participar do evento, mas também ao Ministério Público Federal, que recomendou oficialmente que o presidente evitasse de promover aglomeração de pessoas. Bolsonaro parecia, mais uma vez, empenhado em afrontar todos aqueles que apontam no isolamento social a única via efetiva, enquanto a vacinação em massa não ocorre, para se controlar a pandemia e se evitar mortes por falta de atendimento nos hospitais e unidades de saúde. Dois dias antes, ele esteve no Acre, também promovendo aglomeração de pessoas e, por ocasião de seu aniversário, reuniu mais de cem apoiadores na Praça dos Três Poderes.
É incrível como, passado um ano, nosso presidente, e seu séquito de fiéis apoiadores, ainda não tenha entendido algo tão elementar: o problema do Covid-19 não é sua letalidade inerente, mas a superlotação do sistema de saúde, em que deixa de haver estrutura não só para tratar pacientes infectados pelo vírus, mas também aqueles que precisam de atendimento para outros problemas de saúde ainda mais letais, incluindo acidentes de trânsito, ataques cardíacos, derrames cerebrais, situações que requerem atendimento imediato, mobilizando médicos, enfermeiros, equipamentos hospitalares, que, simplesmente, não estarão disponíveis, porque estarão ocupados em decorrência das lotações causadas pela pandemia. É o que estamos enfrentando hoje no Rio Grande do Sul, é o que vimos ocorrer no Amazonas e é, infelizmente, o que estamos vendo acontecer também em outros estados, dada a escalada do vírus no último mês. Ou o presidente não entende, ou realmente não se importa com as milhares de vidas levadas todos os dias pela pandemia. Se sua preocupação é realmente o andamento da economia, está em suas mãos tomar medidas drásticas, com certeza, difíceis, mas necessárias, seguindo o exemplo da maior parte dos outros países. Não deveria, para começar, ter apostado em soluções ineficazes, contrariando a ciência, nem ter causado polêmica em torno das vacinas. Não deveria, em segundo lugar, ter interrompido os auxílios emergenciais. Não deveria, por fim, estar empenhado em fazer reformas que diminuem o papel do Estado na economia, único capaz de livrar o país não só da pandemia, mas também da estagnação econômica em que se encontra.
Felizmente, ainda que tardiamente, setores importantes da sociedade parecem estar se dando conta da atuação desastrosa da presidência na condução da crise, e Bolsonaro, acuado, parece estar cedendo a tais pressões. Resta-nos acompanhar seus próximos passos.