Com raras exceções, em diversas sociedades ao longo da história, o ser humano tem apresentado um comportamento um tanto quanto contraditório em relação ao Estado.
Se, por vezes, é visto como um usurpador das liberdades individuais, propugnando-se por redução de sua margem de atuação, por outras, lhe é exigida a prestação de serviços públicos, como saúde, educação e segurança, em maior quantidade e qualidade, o que, necessariamente, envolveria a ampliação de seus recursos e de sua participação na vida social.
O tema da tributação tem necessariamente tudo a ver com essa visão contraditória. Como debate do momento aqui, no Brasil, muitos, especialmente os ligados à classe empresarial e à grande mídia, reclamam do peso dos impostos, sem se dar conta de que não há outra forma de melhorar a prestação dos serviços públicos sem os recursos deles provenientes. O mantra do enxugamento do Estado através do corte de gastos beira à esquizofrenia: enxerga-se uma realidade totalmente diferente do que os fatos apresentam. Há quase uma década, o foco exclusivo dos governos neste país tem sido o corte de despesas, a redução do Estado, e só o que vemos, hoje, é estagnação econômica e deterioração dos serviços públicos. Não há registro histórico de país, nem mesmo na meca do capitalismo, que tenha saído de uma situação de estagnação econômica sem uma atuação decisiva do Estado, e o que vemos, no Brasil de hoje, é a insistência no mantra de seu “apequenamento”: PEC emergencial, reforma administrativa, privatizações, entre outros projetos que frequentam os gabinetes em Brasília, são exemplos bem evidentes.
O debate precisa, necessariamente, passar pelo senso do que é justo, e isso envolve, como ponto de partida, o correto diagnóstico do contexto em que vivemos. Somos mais de 200 milhões de brasileiros, dos quais, aproximadamente 14 milhões vivem em situação de extrema pobreza (recebem até US$ 1,9 por dia) e mais de 52 milhões (mais de um quarto de toda população) estão abaixo da linha de pobreza (recebem até US$ 5,5 por dia). Ao mesmo tempo, o Brasil tem uma das maiores concentrações de renda do mundo, com o 1% mais rico concentrando cerca de 30% de toda a renda gerada. Ainda que este seja, de longe, o indicador que mais nos envergonha frente ao resto do mundo, o assunto ganha pouco ou nenhum espaço no debate que se faz acerca das principais questões a se resolver em nosso país. Esta é a principal reforma que precisaria ser feita, e isso conduz, sem dúvida, ao debate sobre a necessidade de reformulação do nosso sistema tributário.
Já, há bastante tempo, não é novidade na ciência econômica a importância estratégica dos impostos como instrumento de política fiscal. Nos últimos anos, entretanto, diversos autores, mesmo no mainstream, têm apontado uma melhor distribuição da carga tributária como instrumento vital para a redução das desigualdades, dos quais, o mais conhecido é Thomas Piketty. Esses autores, basicamente, atribuem à maior incidência de progressividade nos impostos (os mais ricos recolhem mais) a grande responsabilidade pelo avanço na redução das desigualdades nos países desenvolvidos nos anos pós Guerras.
Se, como afirma nossa Constituição, a igualdade é um dos valores mais importantes de nossa sociedade, quando se questiona o que seria um imposto justo, a resposta, sem dúvida, deveria levar a um sistema tributário que tivesse como premissa primordial a redução da desigualdade, o que, lamentavelmente e escandalosamente, não se vê no debate que predomina nos grandes círculos político e midiático brasileiros.