Desde 2015, a economia brasileira acumula resultados preocupantes em termos de crescimento econômico: recessões em 2015, 2016 e 2020, respectivamente, – 3,5%, – 3,3% e – 4,1%, e estagnação em 2017, 2018 e 2019, quando o crescimento médio anual do PIB foi da ordem de 1,2%.
“Coincidentemente”, ao longo do referido período, a agenda econômica conduzida pelos policymakers teve como lógica os princípios da “austeridade fiscal expansionista” e do supply side economics. Mais especificamente, no que diz respeito ao primeiro, redução de gastos governamentais e elevação dos impostos como condições imprescindíveis para equilibrar as contas públicas e estabilizar ou reduzir a dívida pública, sinalizando, assim, expectativas positivas para que os investimentos privados sejam dinamizados e, por conseguinte, a prosperidade econômica seja restabelecida. Quanto ao supply side economics a ideia é que os crescimento e desenvolvimento econômicos são decorrentes de aumentos da produtividade dos fatores de produção e da eficiência econômica, protagonizadas pelo mercado. Para tanto, as medidas e ações das Autoridades Econômicas (AEs) passaram a ser conduzidas pelo Novo Regime Fiscal (NRF) e pelas reformas estruturais que desregulam os mercados e reduzem o papel do Estado na economia.
Cabe ressaltar que em 2020, devido à pandemia do COVID-19, que representou um duplo choque adverso, tanto de demanda quanto de oferta – diga-se de passagem, pelo lado da demanda o adiamento das decisões de consumo e investimento foi recrudescido, ao passo que pelo lado da oferta, como consequência do lockdown parcial, as empresas e os trabalhadores, formais e informais, ficaram impossibilitados de ofertar bens e serviços e de trabalhar –, as AEs, depois das pressões do Congresso Nacional e do Poder Judiciário, resolveram flexibilizar a agenda econômica, pelo menos no que diz respeito à operacionalização das políticas fiscal e monetária. Nesse sentido, foram implementadas as seguintes medidas: auxílio financeiro emergencial para os desempregados, autônomos e cadastrados em programas sociais, antecipação do 13º salário para os aposentados e pensionistas, isenção de impostos para alguns setores produtivos, linhas de crédito especifico para o financiamento do capital de giro das micro, pequenas e médias empresas e queda da taxa Selic para 2,0% ao ano – atualmente, devido à elevação da inflação, ela se encontra em 2,75% ao ano –, entre outras. Essas medidas representaram um montante de aproximadamente 8,0% do PIB e contribuíram para que a recessão brasileira – o PIB caiu 4,1% em 2020 – fosse menor do que aquela prevista pelo relatório do Fundo Monetário Internacional em seu World Economic Outlook de junho do ano passado que estimava uma queda do PIB brasileiro em 9,1%.
Diante do exposto e entendendo que a agenda econômica em curso desde 2015 –reenfatizando, ela engessa a política fiscal e crê que a “mão invisível” do mercado determina o ponto de equilíbrio da economia – fracassou, o que fazer?
Para voltarmos a crescer de forma dinâmica e sustentável são necessárias, por um lado, medidas que estimulem a demanda efetiva (consumo, investimento – público e privado – e exportações líquidas). Para tanto, são fundamentais:
(i) política monetária expansionista, sem descuidar, contudo, do processo inflacionário, predominantemente sensível à geração de empregos;
(ii) expansão do volume de crédito e regulação dos juros de mercado, pois, infelizmente, a despeito da positiva redução da taxa Selic, essencial para a diminuição do fluxo de rolagem da dívida pública e, por conseguinte, queda do déficit financeiro do setor público, os juros praticados no sistema financeiro continuam proibitivos;
(iii) ajuste fiscal conduzido pela ótica da responsabilidade fiscal e não pela lógica da austeridade fiscal – em outras palavras, adoção de políticas fiscais contracíclicas, principalmente quando haja espaços fiscais, decorrentes tanto da queda dos juros quanto dos aumentos das receitas extraordinárias, para a realização de investimentos públicos e políticas sociais;
(iv) reforma tributária justa e eficiente – atualmente 76,0% da carga tributária incide sobre consumo e salário e 24,0% incide sobre renda, propriedade e movimentação financeira;
(v) política industrial que incentive a absorção das mudanças tecnológicas em curso na economia mundial e que faça o cacthing up da economia brasileira ao padrão internacional, permitindo criar um contexto no qual o Brasil possa incorporar inovações tecnológicas em setores relevantes e atrair investimentos diretos estrangeiros que propiciem agregar valor às exportações. Obviamente, esta política não é de free money, pois deve haver fiscalização constante do Estado e metas de médio prazo colocadas às empresas beneficiadas;
(vi) política de recuperação do poder de compra, em termos reais, do salário mínimo; (vii) regime cambial que permita uma taxa de câmbio real estável e competitiva, objetivando promover a lucratividade das atividades dos bens comercializáveis e prover os incentivos para as firmas investirem e expandirem a produção e o emprego;
(viii) política comercial que vá muito além das relações bilaterais, atualmente focadas nos Estados Unidos.
Por outro lado, não se pode negligenciar o lado da oferta e, portanto, enfrentar os bottlenecks da nossa economia, entre os quais, (i) o déficit previdenciário, uma vez que o Brasil está perdendo o bônus demográfico, (ii) o atraso tecnológico, devido à baixa relação P&D/PIB – atualmente cerca de 1,3% – e (iii) a precária infraestrutura que afeta a produtividade da economia.
Por fim, é importante ressaltar que medidas de demanda efetiva e de oferta exigem coordenação, exercício político e um Estado ativo e dinâmico, elementos que são imprescindíveis em qualquer consecução de uma agenda econômica, mesmo para aquelas, como a do atual Governo, que propõem o desmonte do próprio Estado.
Publicado Originalmente no Sul21