Estimado Confrade Presidente Rafael Jacobsen; Diletas Confreiras e Confrades de nossa Academia Rio-Grandense de Letras, que neste ano da graça de 2021 completará cento e vinte anos de existência; Queridos Familiares e Amigos de nosso saudoso homenageado, escritor FRANCISCO PEREIRA RODRIGUES, falecido com cento e sete anos de idade; Minhas Senhoras e Meus Senhores, Jovens e Crianças que nos acompanham de forma virtual.
Palavra grega, panegurikos significa elogio, simplesmente. Em termos acadêmicos, desde a fundação da Académie Française, em 1634, oficializada em 1635 pelo Primeiro Ministro Cardinal Richelieu (sim, aquele personagem famoso de Alexandre Dumas) panégyrique significa também despedida. Um elogio de despedida ao colega acadêmico que se foi.
Honrado com a missão a mim entregue, aceitei-a por ter sido contemporâneo de FRANCISCO PEREIRA RODRIGUES durante trinta anos neste sodalício, testemunha portanto do muito que fez como Acadêmico e como Presidente pelo longo período de dez anos. Em alguns de seus quarenta livros, que me dedicou, nunca deixou de tratar-me como amigo, até como irmão. O que me convenceu a transformar em palavras um pouco da imensa admiração que lhe confiro.
Vamos nos transportar para o dia 23 de abril de 1913. O Rio Grande do Sul era governado por Antonio Augusto Borges de Medeiros, ainda não imortalizado pelo livro Antonio Chimango, de Ramiro Barcellos, que teria sua primeira edição dois anos depois. Porém, já começava a ganhar fama a obra Contos Gauchescos, de João Simões Lopes Neto, editada em 1912. Faltava um ano para estourar na Europa a famigerada Primeira Guerra Mundial.
Não muito longe de Porto Alegre, a montante do Rio Jacuí, na histórica cidade de Santo Amaro, acaba de nascer o menino Francisco, filho de Amaro Joaquim e Laudelina Pereira Rodrigues. E como já nasceu poeta, seguramente as casas barrocas da pequena comunidade estavam prateadas pela lua.
Dizia Emil Ludwig, o famoso biógrafo alemão, que os grandes homens cumprem o destino dos grandes rios. Nascem de um olho d’água, deslizam para uma sanga, ganham força em forma de riacho, tornam-se arroios e depois, como poderosas caudais de água doce, terminam seu curso desaguando no mar. E na minha imaginação, se Francisco é um rio, seguramente escolheu o Nilo como seu modelo. Não só por ser o pai do Egito, mas porque deságua no mar ao lado de uma biblioteca iluminada de História.
Poucos seres humanos conseguem viver mais de um século, como o nosso homenageado. E viver intensamente, esgrimindo um raro talento de homem público, pai, avô e bisavô amado, poeta e prosador de rara estirpe, amigo fiel e cidadão preocupado com as mazelas governamentais e privadas que esmagam os fracos e oprimidos.
Francisco subiu ao palco da História, pela primeira vez, em 1928, aos 15 anos de idade. Aluno do Curso Ginasial, foi ele escolhido para saudar Getúlio Vargas, recém-eleito Presidente do Estado do Rio Grande do Sul. Dois anos depois, fugiu de casa para apresentar-se voluntário para a Revolução de 1930. E assim continuou pelos caminhos do tempo, sempre valente e generoso, em seus mais de cem anos, que nunca foram de solidão.
Conviveu com Erico Verissimo e Mario Quintana na Livraria do Globo e nas páginas do Correio do Povo, onde estreou em 1937. Presidente da Academia Rio-Grandense de Letras e da Estância da Poesia Crioula, membro destacado do Instituto Histórico e Geográfico, advogado de notório saber, conviveu nesta Academia com alguns dos maiores expoentes de nossa cultura, como Dionélio Machado, Dante de Laytano, Mozart Pereira Soares, Mozart Vitor Russomano, Lenine Nequete, Carlos Reverbel, Tarcísio Taborda, Luiz Carlos Barbosa Lessa, Elvo Clemente, Lothar Francisco Hessel, Hélio Moro Mariante, Paulo Brossart, Arthur Ferreira Filho, Mila e Raul Cauduro, Guilherme Schultz Filho, Gevaldino Ferreira… para citar apenas alguns da mesma geração, recebendo elogios de sua obra inclusive de escritores de outras querências, como Jorge Amado, o baiano universal.
Vamos dar a palavra ao nosso homenageado para que nos relate alguns detalhes de sua vida e de como foi sua estreia como cronista, aos vinte dois anos. Socorro-me de sua apresentação no livro O Correio do Povo e Eu – Recordações, datada de agosto de 2011, quando já contava com noventa e oito anos de idade:
AO LEITOR
Muitos amigos estão me estimulando a escrever as minhas memórias.
Reconheço que, nestes noventa e oito anos de vida, em que assisto ao desenrolar da História da Humanidade e, em particular, a do Brasil, muito tenho a dizer. A ingratidão para com os negros, tendo eu a oportunidade de conviver com os alforriados; as crueldades da Revolução de 1893, ainda muito vivas no início do século XX; o Borgismo; a Aliança Liberal; 1930; 1932; a Revolução Constitucionalista; o Comunismo; o Integralismo; o Estado Novo; Hitler; Mussolini; Hiroito: Quanta gente e quantos fatos!
Mas, a minha consciência reage negativamente por entender que alguns acontecimentos foram bons e outros não o foram.
Analisá-los com a devida isenção interpretativa ser-me-ia impossível. A contemporaneidade entre o fato e o seu narrador ameaça a verdade histórica. A literatura universal está plena de exemplos. A nossa, também. E o melhor é ficar no que já escrevi em prosa e verso.
Busquei no meu arquivo pessoal o que pude guardar. Alguns documentos ou apontamentos se extraviaram em razão do meu deslocamento pelo Estado, como fiscal do Tesouro Estadual. Estive em diversos municípios, e de todos tenho saudade. Cito aqueles em que também tive atividade político-partidária:
Encruzilhada do Sul, onde cheguei recém-casado com Maria Olga Sereni, que me deu os primeiros filhos, Américo, Eduardo e Ronaldo, e onde fui candidato a Prefeito Municipal sem chegar às urnas porque uma remoção do cargo, então possível, tirou-me a oportunidade.
Itaqui, onde nasceu meu quarto filho, Francisco, e onde fui vereador, idealizei e relatei o Primeiro Congresso de Vereadores realizado no Brasil.
Taquari, onde veio à luz a minha saudosa filha Vitória Amara, e onde fui vereador e presidente da Câmara.
Farroupilha, onde fui o vereador mais votado de todos os partidos.
General Câmara, onde fui Prefeito Municipal e criei uma Escola Normal de Segundo Grau. Amparado pelo benemérito governo de Leonel Brizola, construí diversos prédios escolares, e levei para a cidade a CORSAN e a CEEE.
Finalmente, Porto Alegre, onde nasceu minha caçula Angela Maria e onde me aposentei como funcionário público.
Foi um tempo de idealismo e esperança. Idealismo na atividade político partidária e na vereança que era gratuita e considerada de relevância pública. Esperança na cristalina moral que embasava a vida pública do Município, do Estado e do País.
Hoje, partidos à parte, vou ao meu arquivo e encontro o saudoso amigo Serafim Machado, que, no longínquo ano de 1937, provocou-me à arena das letras nas colunas do CORREIO DO POVO. E este, generosamente, se abriu à minha colaboração.
Francisco publicou seu primeiro livro em 1943, início de uma magnífica obra de mais de quarenta títulos, onde se destaca seu grande amor pela História. Dotado de um estilo clássico, nunca lutou com as palavras, como vemos neste trecho em que narra o nascimento de Santo Amaro, sua terra natal, e logo após o golpe que lhe roubou a autonomia:
Outono no Continente do Rio Grande de São Pedro. Despem-se as árvores. Esparramadas pelo chão gemem as folhas à pressão dos passos. Está manso o vento no encrespar das águas. Ninhos vazios. Sinfonia de pássaros em fim de festa. Galhos nus espetados no ar lembram braços humanos emurchecidos numa labuta inglória.
Faluas portuguesas singram o Rio Ingahyba, águas acima. Olhos ambiciosos vislumbram um mundo de infinitas riquezas. Altivos os horizontes do sonho.
Militares e civis, homens e mulheres desembarcam na Forqueta de Santo Amaro. Férreas vontades, mãos calejadas desafiam a natureza agreste e cravam no chão a bandeira da esperança na projeção de um fortim.
É 1º de maio de 1752.
AD HOMINEM
Espada! Tu que existes para servir a Pátria na ternura da paz e no fragor da guerra, dize-me, espada gloriosa de Caxias, por que golpeaste de morte a minha terra?
Santo Amaro foi sede de Fortim, em 1752; de Curato, em 1763; de Freguesia, em 1773; de Município, em 1881. É uma expressão de grandeza civilizadora.
Em 1938, Santo Amaro foi rebaixado à simples sede distrital por um ato violento da Ditadura do Estado Novo: uma agressão à História.
Pobre Brasil! Quando não é uma ditadura perniciosa, é uma democracia libertina!
Um momento ímpar na vida de FRANCISCO PEREIRA RODRIGUES foi quando recebeu o título honorífico de CIDADÃO DE PORTO ALEGRE. Foi no dia 14 de dezembro de 2012, ou seja, nosso escritor estava a poucos meses de completar cem anos. Prova de prestígio: grande comparecimento de vereadores e nenhum lugar vago na área destinada a nós, o público.
No seu discurso, o vereador proponente, José Freitas, ressaltou seu elogio ao homenageado com uma frase que viria a se tornar o título de um livro comemorativo da efeméride: Quando a jornada dignifica a vida. O impressionante também foi a emoção e a qualidade das saudações dos vereadores de diferentes partidos. Francisco, tranquilo, sorridente, na mesa de honra. Quando chegou sua vez, não parecia um homem quase centenário na energia da voz e troar do poema que sintetizou sua fala:
IMO PECTORE
Neste final de vida venturoso
com sensações de plena mocidade,
canto e choro ao mesmo tempo sem saber
se é de esperança ou de saudade.
Está todo o passado à minha frente.
Não vejo trevas, mas somente a luz.
Conforta-me o caminho que trilhei
inspirado nos passos de Jesus.
Amei o próximo como a mim mesmo.
Jamais eu caluniei alguém.
Eu soube contentar-me com o que tenho.
Nunca tive inveja de ninguém.
Hoje, os Vereadores e o Prefeito,
expressões unidas do Poder local,
tornaram-me CIDADÃO DE PORTO ALEGRE
a Leal e Valorosa Capital.
Ao receber tão elevado prêmio,
eu me curvo aos Edis Municipais,
orgulhoso da família e dos amigos,
e grato aos conselhos dos meus pais.
Estimado Confrade Presidente Rafael Jacobsen;
Diletas Confreiras e Confrades de nossa Academia Rio-Grandense de Letras, que neste ano da graça de 2021 completará cento e vinte anos de existência;
Queridos Familiares e Amigos de nosso saudoso homenageado, escritor FRANCISCO PEREIRA RODRIGUES, falecido com cento e sete anos de idade;
Minhas Senhoras e Meus Senhores, Jovens e Crianças que nos acompanham de forma virtual.
Correu a notícia que nosso Velho Chico morreu, mas eu não acredito. Como pode morrer quem ficará eternizado nas magníficas obras publicadas em forma de livro, nos milhares de crônicas e artigos, nos anais do Instituto Histórico e Geográfico, na Estância da Poesia Crioula e outras entidades literárias de que participou, nos Municípios que serviu com honestidade e talento, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, na Ordem dos Advogados do Brasil, na Secretaria da Fazenda, na memória de seus filhos netos e bisnetos e, principalmente nesta Academia Rio-Grandense de Letras a qual dedicou, como ele mesmo disse, os melhores anos de sua vida?
Cumpramos a tradição do panegírico, mas como queriam os gregos do Século de Péricles, dos Jardins de Academus, berço de todas as Academias. Ou seja, saudemos FRANCISCO PEREIRA RODRIGUES em forma de elogio, não como despedida.
Como responsável por colocar em palavras este ritual acadêmico, peço vênia para que o próprio homenageado pronuncie as palavras de encerramento. Porque, por uma premonição das fadas e duendes, nosso Confrade nasceu no Dia Mundial do Livro, o que prova, como dizia Shakespeare que há mais mistérios entre o céu e a terra do que possa conceber nossa vã filosofia.
E como ele sempre se preocupou com o sofrimento humano, vamos deixar que nos declame um poema de adolescência, que Francisco escreveu quando nenhum de nós ainda era habitante deste Planeta Terra:
Natal de Gente Pobre
Papai, e o meu presente de Natal?
O filho do vizinho já ganhou o seu!
Você sempre me promete uma boneca,
Um auto, um carrossel, uma peteca,
E ainda não me deu.
Escuta o lutador do pão-de-cada-dia
Dos lábios inocentes do filho
A súplica que o faz quase chorar.
Mas o que vai fazer, se passou
Todo o ano a trabalhar?
Brotam-lhe lágrimas dos olhos!
Chora o coração! Olha em torno de si e vê o filho
Que ainda lhe estende a mãozinha a suplicar:
E o presente de Natal, meu papai, não vou ganhar?
O pobre proletário triste e trêmulo
Toma o filho nos braços e responde:
Para o ano que vem, se Deus nos ajudar.
Em nome da Academia Rio-Grandense de Letras, na qual o Confrade FRANCISCO PEREIRA RODRIGUES ocupou a Cadeira Número 39 por quase meio século:
Muito obrigado!