Para prever o que pode acontecer com o trabalho remoto no Brasil, cabe observar o que está ocorrendo nos EUA, país em que a vacinação está mais avançada e nos indica as tendências prováveis do que virá.
Em primeiro lugar, existem muitas atividades que não podem ser feitas remotamente. Não podemos abastecer as prateleiras de um supermercado, consertar um carro ou fazer um corte de cabelo de forma remota. Mas muitas atividades da economia moderna podem ser feitas a partir de um computador conectado à internet.
Nos EUA, durante a fase mais aguda da pandemia, cerca de 40% da força de trabalho foi capaz de trabalhar remotamente. Alguns setores já voltaram ao trabalho presencial, por ser mais adequado, por exemplo, no ensino básico e médio, entre outros. Mas boa parte dos trabalhadores ainda permanece em home office.
Existem boas razões para a continuidade do trabalho remoto. Foram constatadas maior satisfação do empregado e maior permanência no emprego. Do ponto de vista das empresas, de forma inesperada, a produtividade foi mantida e, em muitos casos, aumentada. Também foi possível aumentar a área geográfica para a contratação das pessoas. Quando os empregados podem morar em locais onde o custo de vida é menor, também há redução de custo para as empresas. Soma-se a isso a redução de custos com deslocamentos, com locação ou propriedade de espaço físico de escritórios, geralmente no centro de cidades importantes e caras.
As empresas de tecnologia estão entre as que adotam o trabalho inteiramente remoto: Dropbox, Spotify e Twitter. Outras empresas não tecnológicas, como as seguradoras e financeiras, estão seguindo o mesmo caminho ou passando alguns setores inteiramente para a forma remota.
Mas existem outras culturas empresariais que não aceitam bem o trabalho remoto. Bancos grandes, como o JP Morgan, acreditam que é melhor ter seus colaboradores no escritório. Jamie Dimon, CEO do JP Morgan, pensa que o trabalho remoto deixa o processo de tomada de decisão mais lento, prejudica o moral do grupo, torna mais difícil incorporar novos trabalhadores ao convívio e à cultura da empresa, inibindo a criatividade. Reed Hastings, da Netflix, vai no mesmo sentido, não vê vantagens no trabalho totalmente remoto, especialmente nas atividades baseadas em conhecimento. Não basta ter um grupo de pessoas qualificadas, elas precisam trabalhar juntas, o que vai muito além da realização de reuniões. O sucesso do trabalho totalmente remoto, realizado em maior escala pela primeira vez durante a pandemia, foi devido a que os grupos e as relações já estavam formados pelo convívio presencial.
Assim, a partir das duas visões distintas, está se firmando a forma do modelo híbrido, na qual o trabalho presencial e o remoto se desenvolvem lado a lado. Geralmente, a atividade humana se divide entre trabalhos em grupo e trabalhos individuais. Nos trabalhos individuais, podemos produzir mais e melhor em casa. Mas quando temos que trabalhar em times, estar junto ao grupo agrega mais, produz laços, cria cultura e valores. Também o deslocamento e a alternância de ambientes e atividades fazem bem para mente humana e para os relacionamentos.
Então, nos EUA, com o avanço da vacinação, a tendência é a conjugação das formas de trabalho remoto e presencial. Dentro da semana, podem ser definidos alguns dias em casa e outros no local de trabalho. Também estão sendo experimentados outros sistemas mais espontâneos e flexíveis, em que o trabalhador deve comparecer à empresa em certas reuniões e eventos, podendo o trabalho individual ser feito em casa ou no local de trabalho, conforme a preferência de cada um. Este balanço está sendo feito agora na maioria das empresas americanas e será feito por aqui também.
Artigo publicado no jornal Correio do Povo do dia 14/05/2021.