O preço da gasolina chegou a inéditos R$ 7 em alguns estados do Brasil. As consequências que isso traz ao orçamento doméstico e ao planejamento financeiro de companhias de diversos setores impuseram urgência ao debate sobre o preço dos combustíveis.
Acontece que, com o problema já em uma dimensão quase que insuportável, ganham holofote as propostas de solução rápida e aparentemente simples - que geralmente estão erradas.
A ideia de Jair Bolsonaro, por exemplo, é que os governadores reduzam o ICMS sobre os combustíveis. Assim, num passe de mágica, o preço na bomba voltaria a patamares aceitáveis. Esse é o exemplo perfeito da falsa solução, da medida irrefletida cujas externalidades são tão ou mais graves que o problema que busca resolver.
Numa postura populista, o presidente chegou a desafiar os governadores a abrirem mão do ICMS sobre o combustível -como se a tributação fosse um capricho dos executivos estaduais. Em contrapartida, o governo zeraria a cobrança de PIS/Cofins sobre combustíveis. Sem olhar para os números, a proposta até parece razoável. Olhando para a realidade, entretanto, esse "desafio" é um absurdo.
O ICMS responde por, em média, 85% da arrecadação própria dos estados. E o ICMS sobre os combustíveis equivale a cerca de 20% do total arrecadado por esse tributo. Portanto, um corte leviano desse imposto levaria a graves consequências na prestação de serviços públicos. Se os governadores aceitassem este "duelo" colocariam em risco a saúde, a educação e a segurança em seus estados.
Por outro lado, PIS/Cofins e Cide cobrados sobre os combustíveis respondem por uma pequena parcela da arrecadação federal. Em 2019, a União arrecadou R$ 27,4 bilhões em um total de arrecadação de cerca de R$ 1,5 trilhão. Ou seja, o equivalente a menos de 2%. Portanto, quando Bolsonaro propõe que estados e União reduzam seus tributos sobre os combustíveis, é como se ele pedisse uma contribuição de, digamos, R$ 1.000 a um milionário que tem fontes de renda diversas e pedisse os mesmos R$ 1.000 a um trabalhador que ganha salário mínimo. É uma falsa equivalência, que leva a uma falsa solução.
Como já explicou o Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda (Comsefaz), os aumentos nos preços dos combustíveis não têm relação com a tributação estadual. "Foram frutos da alteração da política de gerência de preços por parte da Petrobrás, que prevê reajustes baseados na paridade do mercado internacional, repassando ao preço dos combustíveis toda a instabilidade do cenário externo do setor e dos mercados financeiros internacionais".
Os caminhos para resolver verdadeiramente o problema passam menos por arroubos retóricos e mais por um trabalho sério e planejado. Há uma grande oportunidade aberta neste momento: a discussão de uma reforma tributária ampla no Congresso Nacional. A tributação brasileira está calcada em um modelo disfuncional e injusto que se concentra mais sobre o consumo do que sobre a renda e o patrimônio. E isto pode -e deve- ser resolvido com uma verdadeira reforma do sistema tributário.
Outro caminho possível é investir em mecanismos que deixem o país menos exposto às variações do preço do petróleo no mercado internacional. Com uma empresa do porte da Petrobrás, o Brasil pode atingir a autossuficiência real de petróleo e não precisa ficar refém da conjuntura externa, fragilizando toda a cadeia produtiva local e corroendo o poder de compra das famílias. Olhando ainda mais para frente, um caminho necessário é a diversidade nos modais de transporte. Não podemos ficar dependentes apenas do modal rodoviário, ineficiente e movido por uma restrita matriz energética. É fundamental haver um planejamento para expansão do transporte por ferrovias, por hidrovias e navegação de cabotagem.
Publicado Originalmente: O preço da gasolina não cai no grito, como quer Bolsonaro