Artigo publicado no Jornal do Comércio
Cálculos realizados pela Divisão de Estudos Econômico-Tributários (DEET), da Receita Estadual, revelam que o prejuízo acumulado do Estado do Rio Grande do Sul, em decorrência do congelamento dos coeficientes de rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE), a partir de 1992, foi de aproximadamente R$ 6 bilhões. Apenas no ano de 2009, o prejuízo, que é historicamente ascendente, foi superior a R$ 530 milhões.
Até o exercício de 1989, o FPE, atualmente formado por 21,5% da arrecadação do IR e do IPI, era distribuído entre os entes federados, conforme determinação do CTN, segundo índices estabelecidos com base em prescrições teóricas tradicionais e internacionalmente aceitas pela literatura financeira, ou seja, apoiavam-se em variáveis socioeconômicas e demográficas relevantes, como população, renda per capita e território.
Nos exercícios de 1990 e 1991, por força do disposto na Lei Complementar nº 62 de 1989, os coeficientes utilizados para rateio do FPE foram fixados à revelia daqueles critérios tradicionais, passando a destinar recursos de forma privilegiada aos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste (85%) em detrimento do Sul e do Sudeste (15%). Para os exercícios seguintes, deveriam ser estabelecidos novos critérios de rateio, em substituição aos índices fixos. Contudo, até os dias atuais a distribuição apoia-se nos coeficientes fixados pela referida norma, gerando perdas para umas e ganhos para outras unidades da federação, em relação aos montantes que efetivamente deveriam receber caso fossem respeitados os critérios definidos no CTN.
No caso do Rio Grande do Sul, o índice fixado pela LC 62/89 é de 2,3548%, todavia, ante a aplicação dos critérios definidos no CTN (território, população e inverso da renda per capita), sua participação seria superior a 3,8% nos últimos anos (62% do que lhe caberia). O problema reside no fato de que a adoção de coeficientes fixos para rateio do FPE despreza fundamentalmente a dinâmica socioeconômica dos distintos entes federados, que altera permanentemente a posição relativa das unidades. Mas o caso do Rio Grande do Sul não é a mais eloquente demonstração do descabimento de tal medida, já que deliberadamente não está incluído entre os privilegiados, mas como explicar que estados das regiões supostamente favorecidas pela LC 62/89, como Roraima e Mato Grosso do Sul, também tenham experimentado perdas significativas com o congelamento?
É evidente que as disparidades econômicas regionais são gritantes e, tanto em respeito aos princípios federativos, quanto aos imperativos do crescimento econômico, é inarredável a necessidade de atenuá-las. Todavia, os mecanismos tendentes a mitigar estas disparidades devem apoiar-se na boa técnica e estar legitimados por um consenso consciente dos efeitos materiais e da ética implícita nestes sistemas. É inaceitável a falta de critérios técnico-científicos para definição de políticas tão significativas quanto a da distribuição dos recursos públicos entre os diversos níveis de governo, tanto vertical quanto horizontalmente.
Outro aspecto relevante consiste em que os coeficientes do FPE passaram, recentemente, a ser tratados como se possuíssem alguma aptidão realmente equalizadora, como se criteriosos fossem, tanto é que nos projetos que tratam da partilha do pré-sal e da reforma tributária são admitidos como índices que efetivamente emprestarão às transferências os contornos equitativos e distributivos perseguidos.
Felizmente, recente decisão do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º da referida Lei (dispositivo que define os critérios de rateio do FPE), limitando seus efeitos a 31 de dezembro de 2012, quando deverá entrar em vigor uma nova norma que disponha sobre os critérios de rateio do fundo. Esta decisão desencadeará uma nova disputa entre os estados e, por conseguinte, um renovado debate que não se cingirá ao FPE e do qual certamente não ficarão alheias outras figuras do sistema tributário nacional, como o próprio ICMS. Ainda que esta disputa ocorra essencialmente no âmbito da política, devemos ter presente o desafio que se impõe especialmente aos fiscos estaduais, que deverão conduzir e estimular as reflexões, bem como agregar os elementos técnicos imprescindíveis para qualificar a argumentação e permitir que se identifiquem os reais riscos e oportunidades decorrentes deste novo ambiente que se avizinha.