Artigo publicado na coluna do Sindifisco-RS no Jornal do Comércio de 7/6
A divulgação recente da decisão do STJ no sentido da legalidade da cobrança antecipada de ICMS relativo à diferença entre as alíquotas interna e interestadual nas aquisições de mercadorias de outros Estados fomenta uma discussão que se tem travado desde que, a exemplo do que se fazia há muito pelo país afora, passou-se aqui a impor tal exação.
Uma análise pertinente dessa questão parece ser a da comparação da fundamentação jurídica dos posicionamentos contrários e a favor da legalidade da cobrança. Nesse sentido, referem-se os argumentos contrários que vão desde a falta de previsão em Lei Complementar até a impossibilidade total pela inexistência de fato gerador. Em outro extremo, a fundamentação da mencionada decisão, que se desvincula da existência de prévio fato gerador na medida em que se está simplesmente a cobrar uma antecipação do imposto de evento que ocorrerá futuramente.
Ao nos colocarmos na posição do julgador que, para dizer o direito no caso concreto, necessita interpretar a norma para optar por uma ou outra posição, perceberemos, em relação a tal fato, a dificuldade em assumir a contrariedade à cobrança em razão de não podermos desconhecer o contexto em que está inserida a norma. Ater-se à mera literalidade do texto legal é desconhecer a necessidade de se ler as regras também sob outros prismas, tais como o histórico, o finalístico, o sistemático e, principalmente, o lógico. E aqui parece residir o cerne dessa discussão. Em um sistema normativo que prevê a existência de contribuintes com tributação sobre o faturamento ou mesmo isentos de imposições, em que não seja permitido o aproveitamento de crédito relativo ao imposto pago nas etapas anteriores, não é possível se imaginar que não se possa impor regramento que equalize a tributação entre as aquisições de dentro e de fora de um mesmo Estado. Impedir que se cobre a diferença entre a alíquota interna, mais elevada, e a alíquota interestadual, mais baixa, é o mesmo que se dizer, para exemplificar, a um contribuinte optante pelo Simples Nacional, que é melhor adquirir suas mercadorias de um outro Estado do que de empresa gaúcha.
Dentro da lógica com que devemos ler todas as normas, temos de usar tal critério começando por nossa Lei Máxima. Assim, se a Constituição Federal nos impede, em seu art. 152, de estabelecer diferença tributária entre bens e serviços em razão de sua procedência, como imaginar um sistema que discrimine as compras internas em favor das compras interestaduais? Restringir-se, no caso em análise, a uma mera avaliação gramatical do que está escrito ou do que não está é deixar muito pobre o rico Direito pátrio. É dissociá-lo da realidade. É retirar-lhe a função precípua de disciplinar as relações sociais. É desconhecer que se a literalidade conduz a uma interpretação afastada da lógica é porque não se está depreendendo o seu real sentido. Do contrário, rasgue-se a norma, pois de nada serve, pois nada diz.
Leonardo Gaffrée Dias,
Secretário Adjunto da Fazenda