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O Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais como instrumento de solução de litígios tributários
Publicado no Jornal do Comércio
É inelutável que, a cada dia, mais e maiores são os conflitos e as lides tributárias envolvendo o Estado e os contribuintes. As causas do avanço desta litigiosidade são inúmeras e variadas, merecendo destaque (I) a tensão intrínseca entre o dever de contribuir e o direito de fazê-lo da forma mais vantajosa; (II) a excessiva onerosidade do sistema (carga tributária); (III) a desigualdade, a falta de neutralidade e a regressividade da tributação; (IV) a complexidade e a alterabilidade da legislação, com a consequente carência de segurança jurídica quanto à sua aplicabilidade, seja pela proliferação de exceções às regras gerais, seja pela utilização de conceitos indeterminados; (V) o peso desmedido das obrigações acessórias e seu consequente elevado custo de conformidade ao sistema; (VI) a evasão e a sonegação; e, por fim, (VII) a falta de uma maior consciência de cidadania, inclusive fiscal, por parte da sociedade.
Para que se tenha uma idéia do atual patamar de litígios na espécie, somente no exercício de 2009, a Receita Estadual gaúcha lavrou cerca de setenta e cinco mil autos de lançamento, dos quais decorreram a constituição de créditos tributários no valor total de um bilhão e trezentos milhões de reais, representados por todos os tributos de competência impositiva do Estado, com especial destaque, evidentemente, ao ICMS. É neste contexto que se insere o processo tributário administrativo, contencioso fiscal tido como o regente do controle da legalidade do lançamento, em geral inaugurado pela impugnação levada a efeito pelo sujeito passivo e que culminará em um novo ato administrativo que, conforme o caso, confirmará ou insubsistirá, total ou parcialmente, o lançamento.
Como é de sabença geral, a Constituição cidadã de 1988 elevou ao status constitucional o processo administrativo, ao estatuir, no inciso IV do seu decantado artigo 5º, que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes". É a prevalência do processo em detrimento do mero procedimento, com a consequente supremacia do devido processo legal e com a necessária observância de todos os recursos inerentes à ampla defesa do administrado, que, na espécie, nada mais é do que o próprio contribuinte.
Nesta esteira, sem prejuízo da aplicação dos inúmeros princípios informadores da Administração Pública, em especial aqueles insculpidos no artigo 37 da Carta Magna, quais sejam da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, deve o processo administrativo observar, ainda, os princípios gerais a si inerentes, tais quais da legalidade objetiva, da imparcialidade, da oficialidade, da informalidade e, notadamente, da verdade material.
É nesta moldura que se insculpe o Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (TARF), órgão de julgamento tributário administrativo de segunda instância do Estado do Rio Grande do Sul, como um excelente instrumento de solução dos conflitos de natureza tributária entre o Fisco e os contribuintes. Concebido como um tribunal paritário, composto, em igual número, por juízes indicados pela Fazenda Pública (Agentes Fiscais do Tesouro do Estado) e pelas Entidades representativas dos setores econômicos (FIERGS, FEDERASUL, FARSUL e OCERGS), todos bacharéis em Ciências Jurídicas e Sociais e com mandato de dois anos, julga com base na isenção e imparcialidade de seus membros, sem qualquer subordinação ou hierarquia, sempre com o desiderato de aplicar a justiça fiscal ao caso concreto, vale dizer, de que ao contribuinte seja exigido o tributo na exata medida da imposição legal. Nem mais, nem menos!
Com efeito, mesmo frente a situações de não conhecimento de eventual recurso em face de impedimentos formais no âmbito processual administrativo, tem a Corte Administrativa Tributária gaúcha, quando é o caso, desconstituído, parcial ou totalmente, o lançamento, forte na justa homenagem ao princípio da verdade material, ou seja, para a prevalência da "verdadeira verdade". É a supremacia não apenas da lei, mas do Direito, notadamente, do Estado Democrático de Direito!
Tal feição bem demonstra as inúmeras vantagens da jurisdição administrativa ou, como dito por outros, da quase-jurisdição como fonte primeira para a solução dos litígios tributários na espécie – celeridade, economicidade, informalidade, conhecimento técnico, não-obrigatoriedade da presença de advogado, suspensão da exigibilidade e, até mesmo, coisa julgada formal nas decisões contrárias à Administração –, antes da busca da inafastável guarida do Poder Judiciário, a teor do preceituado no inciso XXXV do artigo 5º da nossa Lex Fundamentalis.
Luiz Antônio Bins
Agente Fiscal do Tesouro do Estado, Juiz do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (TARF), Ex-Diretor da Receita Estadual (gestão 2003-2006) e Presidente do Conselho Deliberativo da Fundação Escola Superior de Direito Tributário