Artigo publicado na coluna do Sindifisco-RS no Jornal do Comércio
O Fisco gaúcho, que tantos serviços já prestou à sociedade rio-grandense, obteve o reconhecimento do povo gaúcho, através de seus representantes políticos, governo estadual e Assembleia Legislativa, de que é merecedor de estar organizado num órgão que abarque todas as condições necessárias ao desempenho de tão importante função: a Receita Estadual.
A Lei Complementar nº 13.452, de 26 abril de 2010, também denominada de “Lei Orgância da Administração Tributária do Estado do RS (LOAT)”, define a Receita Estadual como instituição de caráter permanente vinculada ao interesse público como atividade essencial ao funcionamento do Estado, responsável pela administração tributária estadual. No lume deste Órgão, está a recuperação da especialidade funcional, com a instituição de carreira de Estado específica: o Auditor-Fiscal da Receita Estadual (mesmo que por ora se tenha adotado outra denominação). Esta carreira sempre esteve presente na Administração Tributária Estadual, afastada, apenas formalmente, por breve lapso temporal.
Ao estruturar a Receita Estadual, a LOAT, na grande maioria de seus dispositivos, em relação à carreira de Auditor-Fiscal da Receita Estadual, não inova, mas sim reconhece uma estrutura materialmente sedimentada no transcorrer do longínquo período de existência da Administração Tributária rio-grandense. Muitos, desatentos ou capciosos, ao lerem os dispositivos do mencionado diploma legal, dirão que se instituiu um “monstro”, que se atribuiu poderes demasiados. Conferir autonomia ao Fisco, como?!
Pois bem, a “autonomia funcional”, o Fisco rio-grandense sempre possuiu. Os Auditores-Fiscais nunca se submeteram a qualquer espécie de dirigismo ou interferência na sua função-dever de administrar, fiscalizar e cobrar tributos. A carreira, desde sua instituição, sempre foi provida por ingresso mediante concurso público. No Estado Democrático de Direito, autonomia não significa absolutismo, tirania. Importa, sim, em obediência à ordem jurídica e social na qual está inserida. Assim como o Estado não pode tudo, também as autoridades públicas não podem tudo. O próprio Estado, quer através da organização dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), quer através do controle de seus atos administrativos, possui uma autonomia pulverizada, que se controla mutuamente.
Os atos de autonomia funcional do Auditor-Fiscal são exercidos, de forma organizada, dentro de sua estrutura administrativa. A autonomia do órgão da Receita Estadual é o resultado do somatório do exercício pleno da autonomia exercida por todos os seus Auditores-Fiscais. Ou seja, a Instituição e seus Membros se confundem. A relação entre ambos é de interação e não de subordinação.
Quando se fala em autonomia funcional do Auditor-Fiscal, e, agora, ampliando o conceito, isto é, conferir autonomia administrativa e orçamentária ao órgão (estas ainda não contidas na LOAT), não se busca criar um “monstro”. O que se almeja é fortalecer uma instituição que não pode ser refém de interesses particulares, devendo ser instrumento de realização das necessidades públicas que justificam a existência do próprio Estado Democrático de Direito, isto é, o bem comum. Como vimos, da mesma forma que a autonomia funcional não é disforme, a autonomia administrativa e orçamentária também não. A análise e aprovação do orçamento é competência do Poder Legislativo, mediante Lei de Diretrizes Orçamentária e Lei Orçamentária. Logo, não depende tão somente da manifestação volitiva da Receita Estadual. Desta forma, tudo aquilo que se denomina autonomia fiscal (funcional, administrativa e orçamentária) não deve ser simbolizada metaforicamente por figuras aterrorizantes, em respeito à Cidadania, às Instituições e seus Membros. Na sociedade contemporânea, não há espaço para obscurantismo. O Fisco gaúcho não está a serviço do Leviatã.
Só teme a autonomia fiscal, no Estado Democrático de Direito, quem teme a plenitude do exercício da cidadania, que requer, para tanto, o cumprimento do ordenamento jurídico que regula o convívio social, inclusive com o dever de pagar tributos.