Luiz Martins da Silva
O Brasil precisa despertar para a educação fiscal e, com ela, acabar com uma das formas de analfabetismo, que é o analfabetismo fiscal, fenômeno que certamente abrange milhões de brasileiros que: têm apenas vagas ideias do que seja taxa, tributo e imposto; têm uma noção arraigada de que o Brasil é o campeão dos impostos, mas não dá satisfações sobre o destino deles; adotam várias condutas diárias que resultam em impostos indiretos, como é o lixo atirado na rua, nos baldios e nas águas.
Existe o analfabetismo clássico, relacionado à incapacidade de leitura do que está escrito. Existe o analfabetismo político, para caracterizar os que leem o que está escrito, mas não sabem ler a realidade e muito menos votar conscientemente. Existe o analfabetismo científico, que é a incapacidade de compreender os avanços da ciência e da tecnologia. E existe o analfabetismo fiscal, uma espécie de atavismo impregnado no senso comum de que o imposto é uma forma de punição dos honestos, neste caso, sinônimo de otários.
A história do Brasil é pródiga em formas de sonegação ao fisco: os santinhos de pau oco para esconder ouro; os desvios das estradas para fuga aos postos fiscais; os orçamentos com ou sem nota fiscal como estímulo ao sonegador. Mas isto não acontece somente no Brasil, pois não é o brasileiro uma espécie humana com torpezas à parte. A própria origem do selo postal na Inglaterra, em 1840, deveu-se à constatação de que a Coroa inglesa estava sendo lesada por pessoas simplórias e de um jeitinho bastante matreiro.
Estava o Sir Rowland Hill numa agência de correios, quando entrou uma senhora ‘humilde’ querendo saber se havia uma carta do seu filho. E havia. Ela pegou o envelope, olhou e o devolveu, aparentemente por não dispor de um míseropenny, partícula da libra esterlina equivalente ao porte de uma carta simples. Naquela época, quem pagava a despesa de correio era o destinatário. Hill tentou patrocinar a correspondência entre filho e mãe, mas ela dispensou o fidalgo gesto, afirmando: “Não é necessário, já li a mensagem por um sinal colocado no envelope”. Hill idealizou então o primeiro selo postal, o famoso Penny Black, uma espécie de porte pré-pago e inutilizado com carimbo para a reutilização.
A História Universal está pontuada de revoltas contra a cobrança abusiva de tributos. Até Jesus Cristo foi inquirido sobre a legitimidade dos mesmos, saindo-se com esta: “Dai a César o que é de César”. Tão afeito a parábolas, podia ter feito todo um sermão sobre os benefícios decorrentes -- estradas, aquedutos, edificações etc. Talvez, por ter sido tão lacônico em tal ocasião, até hoje não se sabe direito o que é ou não de César, leia-se, o Estado.
Parte do analfabetismo fiscal brasileiro é culpa de um Estado pouco esclarecedor em relação ao que faz com o dinheiro que arrecada. Atitude oposta, são os “impostômetros”, mostrando em frações de segundo a voracidade da besta ou informando que o brasileiro trabalha mais de 140 dias por ano para alimentá-la. Melhor papel seria desempenhado por meio de campanhas informativas e educativas, afinal não existe Estado sem impostos.
Outro dia, numa entrequadra de Brasília, vi um cidadão, no banco do carona, atirando no asfalto a lata de refrigerante que acabara de esvaziar, enquanto aguardava o sinal abrir. Detalhe: havia um container ao alcance de sua pontaria. Segundo detalhe: a rua estava apinhada, mas ninguém demonstrou a mínima estranheza. Terceiro detalhe: em geral, 95 por cento do lixo é reciclável (o alumínio, 100 por cento), mas depende de uma boa triagem; quarto detalhe: atitudes que sobrecarregam a limpeza urbana e o meio ambiente só inflacionam os impostos. Conclusão, o analfabetismo fiscal é decorrência de um outro, pior ainda, o analfabetismo moral.
Luiz Martins da Silva é jornalista, poeta e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília – UnB.