Há tempos a anomalia distributiva do ICMS no Pará reclama providências por parte das autoridades. Há pelo menos duas décadas, essa distorção se aprofunda em flagrante prejuízo dos municípios não-mineradores, alguns dos quais com grande densidade populacional, como são os casos de Belém e Ananindeua.
O gatilho da distorção foi acionado com a edição da Lei Complementar n° 87/1996 (Lei Kandir), que desonerou de ICMS a exportação dos produtos primários e semielaborados.
A Lei Complementar n° 63/1990 atribuiu um grande peso ao valor adicionado no cálculo dos índices de cota-parte do ICMS (antes, 75%; atualmente, 65%). Com a desoneração, o valor adicionado gerado pelas grandes mineradoras passou a não guardar correspondência com a receita do imposto estadual gerada nos respectivos municípios mineradores, hipertrofiando a participação relativa desses municípios na cota-parte do imposto.
A anomalia distributiva se caracteriza, portanto, pela exacerbada concentração do ICMS nos dois principais municípios mineradores, Canaã dos Carajás e Parauapebas, porque concentradores do valor adicionado da exploração mineral. Sendo o ICMS um imposto sobre o consumo pago pelo consumidor final, estamos diante de uma gigantesca transferência de renda dos municípios não-mineradores, inclusive os mais populosos e com enorme demanda por investimento público, para apenas dois municípios mineradores.
Numa conta por baixo, o Pará deve arrecadar cerca de R$ 18 bilhões de ICMS em 2022. Desse montante, 25% – ou seja, R$ 4,5 bilhões – pertencem aos 144 municípios paraenses, cabendo a cada município uma cota-parte do imposto.
Tomo por base os dois extremos da anomalia distributiva do ICMS. De um lado, Ananindeua e Belém, os dois maiores municípios em população; do outro, Canaã dos Carajás e Parauapebas, os dois maiores municípios mineradores.
Juntos, Ananindeua e Belém têm uma população estimada em 2,035 milhões de habitantes, enquanto a população de Canaã dos Carajás e Parauapebas soma 256 mil habitantes. Em 2022, a cota-parte ICMS de Ananindeua é de 2,86%, a de Belém, 11,14%. Por outro lado, as de Canaã e Parauapebas são de 9,65% e 14,85%, respectivamente.
No primeiro trimestre deste ano já foram distribuídos mais de R$ 1,3 bilhão aos municípios paraenses; Ananindeua e Belém, juntos, receberam R$ 191 milhões, o que representa um ICMS per capita de R$ 94,00. Canaã e Parauapebas receberam R$ 335 milhões, atingindo um ICMS per capita de R$ 1.308,00, ou seja, 14 vezes superior ao per capita de Ananindeua e Belém.
Ao final de 2022, dos R$ 4,5 bilhões que serão distribuídos aos 144 municípios, cerca de R$ 1,1 bilhão serão entregues apenas aos dois municípios mineradores. Na outra ponta, os dois maiores municípios em população receberão em torno de R$ 630 milhões.
Numa situação hipotética de distribuição da cota-parte do ICMS na proporção da população de cada município em relação à população do estado, Ananindeua e Belém, com 23% da população total do estado, receberiam cerca de R$ 1 bilhão, em vez de R$ 630 milhões. Por outro lado, Canaã e Parauapebas, com 2,9 % da população, receberiam cerca de R$ 130 milhões, em vez de R$ 1,1 bilhão.
E vai piorar em 2023, quando Ananindeua e Belém, somados, tendem a uma cota-parte inferior a 12%.
Em ofício de junho do ano passado, o Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual fisco sugeriu, aos chefes do Executivo e Legislativo, que examinassem a possibilidade de constituição de grupo de trabalho para discutir e propor soluções tendentes a tornar mais justa e equânime a partilha de ICMS entre os municípios paraenses. Alguns dias depois, o Governador do Pará, por meio do decreto nº 1.856, institui um Grupo de Trabalho Especial (GT) para debater e propor critérios para o cálculo da partilha da arrecadação do ICMS. Não se sabe ainda o resultado desse esforço.
O que se sabe é que essa distorção é absolutamente insustentável sob qualquer ponto de vista.
Charles Alcantara é auditor Fiscal de Receitas do Estado do Pará