Com a entrada em vigor do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), temos alertado que ele não trará a definitiva sustentabilidade às contas estaduais, e sim gerará um novo processo de acumulação de dívida. Em recentes artigos, estimamos que a reestruturação do passivo estadual prevista no novo regime, aceito sem contestação pelo Executivo Estadual em R$ 74 bilhões, custará até o final do contrato entre R$150 e R$ 168 bilhões, dependendo da métrica de cálculo utilizada.
Em 2021, o montante de R$ 3,4 bilhões do serviço da dívida não foi pago devido às liminares junto ao STF, sendo que os pagamentos alcançarão R$ 6,0 bilhões em 2031 quando as prestações voltarão a ser integrais. Portanto, o RRF se caracteriza como um plano de postergação das prestações da dívida e com aumento crescente do saldo devedor durante os primeiros anos 9 anos, pelo fato de que a parcela não paga das prestações será incorporada ao saldo devedor, simples assim.
Nos próximos anos, com as restrições fiscais impostas pelo regime, a política fiscal do governo estadual se submeterá à orientação de um comitê técnico instituído pelo RRF. Será uma espécie de guarda compartilhada do caixa.
As reformas previdenciárias e administrativas atenuarão o crescimento das despesas com pessoal e o teto de gastos será instrumento para conter as despesas primárias. Consequencia do RRF e de suas amarras, além da perda da autonomia administrativa, é seu impacto no custeio das despesas públicas e dos investimentos, com influência na qualidade dos serviços públicos e sobre os indicadores de eficiência em educação, segurança e saúde.
Ressalte-se que, pelas garantias que a União impôs no contrato, a primeira despesa a ser paga será sempre a das prestações de dívida e depois virão as demais.
A estratégia de quem negociou foi de uma hipotética geração de superávits primários, levando à queda da relação dívida/receita líquida, ajustada do lado da despesa. Para tanto, o Plano do RRF pressupõe um crescimento real da RCL acima das despesas primárias e um continuado crescimento virtuoso do PIB estadual.
Quaisquer projeções que se façam com relação ao comprometimento da receita com o pagamento da dívida e que não pressuponham um crescimento constante e estável da arrecadação e do PIB estadual, poderá levar a um comprometimento superior a 10% da receita quando se passar a pagar a integralidade das prestações.
Futuras renegociações não serão surpresas.
Ricardo Hingel - ex-diretor financeiro do Banrisul
Roberto Balau Calazans - ex-diretor financeiro do Grupo CEEE e auditor da Receita Estadual