Esse artigo apresenta reflexões e propõe medidas de simplificação que podem reduzir a excessiva centralização do produto da arrecadação do IBS.
Não se questiona a necessidade da centralização, mas o seu “tamanho”.
A forma como está estruturado o IBS, na redação da PEC45/19, em discussão atualmente no Senado Federal, conduz obrigatoriamente à necessidade de um processo de centralização e redistribuição do produto da arrecadação do imposto, a ser gerido pelo Conselho Federativo. Todavia, embora seja indispensável, a centralização tem sido objeto de preocupação dos gestores públicos, tendo em vista que, no que tange à autonomia das unidades federativas a centralização integral é um claro limitador, especialmente em relação à imediata disponibilidade dos recursos e à gestão de prazos de pagamento, por exemplo. Além disso, do ponto de vista técnico, há que se referir que o processo de centralização e redistribuição de receitas tende a agregar maior complexidade ao sistema, via à vis a arrecadação direta para as unidades federativas.
O primeiro aspecto a ter em conta é que após a execução do complexo processo1 de compensações, ajustes e retenções, previsto para ocorrer no âmbito da conta centralizadora do Conselho Federativo, a arrecadação que caberá a cada estado será equivalente a uma porção muito significativa da sua receita originária de IBS, ou seja, do IBS recolhido pelos seus próprios contribuintes ou consumidores. O caso dos municípios é ainda mais curioso, pois, para a maioria, o valor do IBS originário será inferior ao montante que efetivamente ingressará nos cofres municipais após a redistribuição. A questão que se impõe, então, é a seguinte: se uma parcela da arrecadação é suficiente para a execução dos ajustes, por que a integralidade da arrecadação seria centralizada?
Orientados por esse objetivo de maximizar o ingresso direto das receitas originárias de estados e municípios, preservando os recursos indispensáveis para a execução das tarefas de compensação, ajustes e retenções do IBS, no âmbito da conta centralizada do Conselho Federativo, elencamos, a seguir, algumas alternativas simples e eficazes. Convém antecipar que a maior parte das medidas se referem ao processo de “compensação” do imposto que, por óbvio, implica “soma zero”, ou seja, não afeta o volume de recursos necessário para o processo de redistribuição da arrecadação.
A sistemática exigirá a execução de diversos ajustes e retenções no produto da arrecadação do imposto. Dentre estas, podemos destacar os ajustes de receita do período de transição da arrecadação, as retenções para restituição do IBS devido a outro ente federativo (compensações), para garantia da devolução de saldos credores, para repartição de receitas (cota-parte dos municípios), para financiamento do Conselho Superior, para a formação do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais e para a devolução personalizada do IBS.
Antes de ingressar nos detalhes, convém revisitar o motivo pelo qual é recomendada a incidência do IVA nas transações interjurisdicionais em áreas como a União Europeia e o Brasil (com o IBS). Para a plena materialização do princípio do destino, em IVA, é suficiente a adoção da alíquota “zero” nas saídas dos bens, em combinação com a cobrança do imposto no destino. Essa é, sem dúvidas, a alternativa mais simples. No entanto, a experiência europeia indica que a falta da cobrança do imposto nas transações interjurisdicionais é suscetível à chamada “fraude carrossel”, que causa prejuízos bilionários aos erários dos Estados membros. A solução para contornar tal vulnerabilidade, amplamente recomendada pelos economistas, é a cobrança do imposto nessas transações. E é isso que está previsto no texto na PEC 45/19 (Art. 156, A, VII).
A sistemática tradicional para emular os efeitos da alíquota “zero”, com a incidência do imposto nas transações interestaduais, é a “compensação”. Nessa sistemática, o valor do imposto destacado é “debitado” do estabelecimento de origem e devido ao mesmo estado, que ressarcirá o estado de destino, onde o imposto destacado será “creditado” pelo estabelecimento de destino. No caso do IBS, este processo de compensações seria gerido no âmbito do Conselho Federativo, envolvendo, portanto, um movimento inicial de centralização dos recursos pagos na “origem” seguido da devolução dos saldos positivos para as unidades correspondentes. Trata-se de um processo absolutamente desnecessário, que envolveria vultosos valores, já que os recursos tecnológicos atuais nos permitem implementar soluções mais simples e eficazes, como as que veremos a seguir.
Medida 1: Pagamento antecipado nas transações B&B interestaduais
O IBS relativo às transações interestaduais, entre contribuintes, seria pago de forma antecipada, no momento da emissão da Nota Fiscal, e o valor correspondente ingressaria diretamente no tesouro do estado destinatário. Uma vez realizada a operação, o adquirente ou tomador dos serviços se “creditaria" do valor pago, destacado no documento fiscal, como ocorre no caso do IBS relativo aos demais insumos, serviços ou mercadorias adquiridas internamente ou importadas.
Como se observa, o pagamento antecipado excluiria a necessidade de qualquer tipo de compensação entre os estados, pois o valor destacado no documento fiscal correspondente, emitido pelo remetente, geraria um débito em sua conta gráfica igual ao crédito pelo pagamento antecipado. Assim, não há valor a ser recolhido pelo remetente, ou seja, na origem, que necessite ser transferido, mediante compensação, para o estado de destino.
O pagamento antecipado nas transações interestaduais é largamente utilizado no ICMS, há muitos anos, e, graças a ampla integração entre os sistemas bancários e os sistemas financeiros e de expedição das empresas, não tem gerado maiores inconvenientes para os envolvidos. É razoável supor que implicaria alguma dificuldade para pequenas empresas, que realizem transações interestaduais de forma esporádica, mas, justamente por serem eventuais, não se converteriam em problema significativo.
Passemos a avaliar alguns benefícios dessa técnica: na sistemática tradicional, o crédito será usufruído pelo estabelecimento de destino e será cobrado do estado de origem no sistema de compensação. Ou seja, o estado de origem sempre arcará com o custo da eventual inadimplência do imposto destacado nas transações interestaduais, pois o valor correspondente será obrigatoriamente ressarcido ao estado de destino, mas não há garantias de que será efetivamente pago pelo seu contribuinte. No caso do pagamento antecipado a inadimplência é “zero”, já que apenas o valor previamente pago dará direito ao crédito no estado de destino. Além disso, desobrigará o estado de origem em relação a imposto que, de fato, não está relacionado com a sua base de tributação, que é apenas o consumo interno.
Um aspecto que pode ser objeto de crítica frente ao pagamento antecipado é que facilitaria a formação de saldos credores de IBS em empresas com preponderância de saídas interestaduais. No entanto, tomando o IVA da união europeia como paradigma, observaremos que a formação de saldos credores decorrente das transações interjurisdicionais é própria da dinâmica do IVA, sendo a devolução de tais saldos uma prática recorrente no plano internacional. Em países europeus com forte perfil exportador o percentual das devoluções ultrapassa os 50% do imposto recolhido. A questão central, nesse caso, é a garantia de que eventuais saldos credores serão devolvidos de forma integral e ágil, e, para isso, basta estar claramente disciplinado na legislação pertinente.
Cabe ainda sublinhar que o método proposto além de simples e eficiente, permitiria que os valores ingressassem imediatamente no tesouro dos estados de destino, o que é uma condição indispensável, já que o imposto destacado nas transações interestaduais seria, da mesma forma, imediatamente “creditado” pelas empresas adquirentes.
Medida 2: Split payment nas transações B&C interestaduais e, da parcela municipal, nas intermunicipais
Para transações interjurisdicionais para não contribuintes do IBS (B&C), recomendamos a antecipação do pagamento do imposto por meio do chamado split payment. O split payment é um método de pagamento utilizado em transações comerciais em que o valor total é dividido entre várias partes e já tem sido recomendado para o caso da antecipação do IBS. É comum em plataformas online, marketplaces e em transações envolvendo múltiplos fornecedores ou prestadores de serviços. O objetivo principal do split payment é permitir a distribuição automática dos pagamentos entre os diferentes envolvidos na transação e, portanto, pode ser perfeitamente aplicável às transações B&C interestaduais e intermunicipais.
Assim, quando o consumidor final fizer a compra não presencial2 de produtos de empresa localizada em unidade (estado ou município) alheia, o valor total será dividido entre a empresa de marketplace - se for o caso -, o(s) vendedor(s), o estado de destino (parcela do IBS estadual) e o município de destino (parcela do IBS municipal). Portanto, para ficar claro, caso o consumidor final estivesse no mesmo estado da empresa vendedora, mas em município distinto, apenas a parcela municipal3 seria cobrada antecipadamente4 mediante a sistemática do split payment.
Aplicam-se a esse caso todas as vantagens imputadas ao pagamento antecipado, elencadas na medida 1, como inadimplência “zero” e ingresso imediato no tesouro dos estados ou municípios de destino. Contudo, há uma vantagem relativa adicional, muito significativa, no que tange à cobrança da parcela municipal nas transações B&C: no sistema de compensação do Conselho Federativo, cada operação intermunicipal gerará um “débito” para a origem e um “crédito” correspondente para o município de destino, envolvendo simultaneamente os quase 5.600 municípios brasileiros. Alguns teriam saldo positivo e outros teriam saldo negativo, mas o somatório seria “zero”. Diante disso, cabe perguntar: vale a pena constituir um complexo sistema de compensações que, ao final, deve devolver o mesmo valor que ingressaria de forma imediata mediante split payment?
Medida 3: Recolhimento da parcela municipal do IBS diretamente aos cofres municipais
Sabe-se que a receita originária dos estados e dos municípios no total arrecadado pelo IBS corresponderá a 87,5% e 12,5%, respectivamente, podendo variar ligeiramente, dependendo dos incrementos que cada estado ou município aplicar sobre as respectivas alíquotas de referência. Todavia, da receita originária dos estados, 25% serão transferidos aos municípios à título de cota-parte. Isso corresponde a 21,9% do IBS. Portanto, a arrecadação originária dos municípios representará pouco mais de um terço do montante que efetivamente ingressará aos cofres municipais, mesmo sem considerar outras transferências previstas na reforma. Esses percentuais indicam que o valor auferido pelos municípios à título de transferência é absolutamente suficiente para sustentar todo o processo de ajustes e de redistribuição da arrecadação que deve ocorrer no âmbito do sistema de compensação do Conselho Federativo.
É bem verdade que nos primeiros anos do processo de transição, para uma minoria de municípios, aproximadamente 20%, a receita originária será superior à final, mas esses podem, enquanto perdurar tal condição, ser (a) excluídos da sistemática de ingressos diretos ou (b) obrigado a depositar a diferença para a conta centralizada do IBS.
2 Poderia ser aplicado o split payment inclusive a vendas presenciais para consumidores de outras unidades (estados ou municípios), no caso de bens de elevado valor. 3 Para evitar o acúmulo indesejável de créditos nos estabelecimentos varejistas. 4 Nesse ponto, cabe destacar que, a rigor e para padronizar as operações, poderia ser aplicada essa técnica para todas as transações de e-commerce, ou seja, incluindo a parcela dos estados nas transações intraestaduais, todavia, a redução demasiada dos débitos dos varejistas tenderia a facilitar a formação de saldos credores. Portanto, esta alternativa deveria ser avaliada, caso a caso, com cautela.
Medida 4: Alíquota “zero” (da parcela municipal) nas transações B&B intermunicipais
A sistemática atual do IBS prevê a cobrança da parcela municipal nas transações intermunicipais, da mesma forma que prevê a incidência da parcela dos estados nas transações interestaduais. Caberá, então, ao Conselho Federativo, determinar, com base no total de “débitos” e “créditos” de cada município, o “saldo de IBS” que lhe corresponderá ao final de cada mês. Ora, se a sistemática de compensação envolvendo 27 estados já não seria simples (medidas 1 e 2), pode-se inferir a grande complexidade que implicaria a compensação mensal do imposto incidente nas transações entre empresas de aproximadamente 5.600 municípios.
A solução proposta é “zerar” a parcela municipal do IVA nas transações intermunicipais entre empresas. É importante sublinhar que nessas transações intermunicipais, assim como nas demais transações interjurisdicionais, o IBS deve ser totalmente desonerado para que seja materializado o princípio do “destino”. A desoneração mediante a técnica de “cobrança” e “devolução”, nesses casos, tem como justificativa neutralizar a chamada “fraude carrossel. Todavia, o ganho dos fraudadores advém do resgate de valores de IVA que não foram declarados ou pagos no meio da cadeia, o que não seria o caso nas
transações intermunicipais, pois as parcelas relativas à CBS e ao IBS estadual seriam cobradas normalmente. Ou seja, dada a pouca relevância da parcela municipal em relação ao total, não haveria estímulos para a “fraude carrossel”.
Poder-se-ia, então, adotar a sistemática que recomendamos para as transações B&B interestaduais, de pagamento antecipado (medida 1)? Entendemos que o custo associado à essa solução, no caso das transações intermunicipais, não se justifica,justamente porque a adoção da alíquota “zero” é muito mais simples, eficiente, barata e, como dissemos, não implicaria estímulos à fraude carrossel, que é o motivo essencial da cobrança do IVA nas transações interjurisdicionais.
Medida 5: Ingresso direto de pagamentos de menor monta
Além das medidas acima elencadas, poderíamos aventar outras, alinhadas com o objetivo geral da proposta que é o de minimizar os valores que, pelo sistema convencional, deverão ingressar numa conta centralizada para posterior redistribuição. Nesse sentido, sem ânimo de exaustão, poderíamos citar as parcelas do IBS municipal e estadual relativas às importações, a parcelamentos e autos de lançamento (infração).
Por fim, vale salientar que com a adoção das medidas aqui apresentadas nenhum valor será pago a unidade federada alheia ao local do consumo, facilitando o ingresso direto no tesouro dos estados e dos municípios.
Tendo em vista os aspectos aqui mencionados, recomendamos que a PEC45/19 estabeleça diretrizes para que o Conselho Federativo adote medidas para minimizar a centralização da arrecadação do IBS e para que em determinados casos a arrecadação possa ingressar diretamente no tesouro dos estados e municípios.