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19/03/2009 AGÊNCIA ESTADO
Especial - Falta de coesão da base aliada trava reforma tributária
BRASÍLIA - Prevalecendo a interpretação do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), de que as medidas provisórias só podem travar a tramitação de projetos de leis ordinárias, será criada na Casa uma oportunidade para a votação da proposta de emenda constitucional da reforma tributária. Falta, no entanto, concordância nos partidos aliados ao governo.
No ano passado, oposição e governo fecharam um acordo para retomar a análise da matéria neste mês. Até agora, no entanto, o governo não conseguiu mobilizar sua base de sustentação no Legislativo em torno de uma proposta, fazendo com que a oposição nem precisasse se esforçar para tentar obstruir os trabalhos. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso o Congresso tenta, sem sucesso, aprovar uma reforma tributária.
Agora, as pressões contra o projeto vêm de diversas direções. Estados querem evitar o fim da guerra fiscal, e parlamentares ligados à educação e à previdência temem que essas áreas percam recursos. Não bastasse, a crise financeira global fez soar o alarme nos Estados e municípios, que temem sofrer ainda maiores perdas de arrecadação com a reforma. "O governo ainda não conseguiu convencer sua base como um todo", afirmou à Reuters o deputado Duarte Nogueira (SP), vice-líder do PSDB na Câmara e responsável por negociar pelo partido a reforma tributária. "Tendo essa fragilidade, o governo quer colocar na conta da oposição esse não-avanço."
Em fevereiro de 2008, o Executivo enviou ao Congresso uma proposta de emenda constitucional para reformar o sistema tributário. O projeto foi debatido em uma comissão especial na Câmara, onde, no fim do ano, os deputados governistas conseguiram vencer a resistência da oposição e aprovaram um relatório sobre o tema.
Governo e oposição fecharam então um acordo para votar o projeto neste mês. A ala aliada, entretanto, ainda não teve força suficiente para colocar o projeto em votação no plenário da Casa. PSDB e DEM exigem, com o apoio de segmentos da coalizão governista, que o relator da matéria, deputado Sandro Mabel (PR-GO), apresente dados detalhados sobre as potenciais perdas de arrecadação dos Estados. Eles não ficaram satisfeitos com as informações fornecidas por Mabel, segundo as quais todos os Estados perderiam 3,1 bilhões de reais no ano que vem. Até 2021, a redução de arrecadação totalizaria 37,4 bilhões de reais.
Apesar de manterem o discurso de que a base aliada conseguirá aprovar a reforma tributária na Câmara nos próximos meses, alguns líderes governistas já começam a reconhecer as dificuldades para alcançar o objetivo. "Na reforma tributária, não há um debate entre governo e oposição. Você encontra em ambos os frontes (parlamentares) contra ou a favor disso ou daquela medida", comentou o vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS). "É uma questão muito regional", acrescentou.
O relator ainda não concluiu a redação do texto que apresentará ao plenário da Câmara. As diretrizes do projeto, no entanto, já são conhecidas. Segundo o governo e o deputado, a proposta simplificará o sistema tributário nacional ao criar o Imposto sobre Valor Agregado Federal (IVA-F). A guerra fiscal entre os Estados, por sua vez, acabaria devido à unificação das legislações sobre o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o qual passaria a ser cobrado no destino dos produtos e não mais na sua origem.
Só 2 por cento do ICMS continuariam a ser cobrados nos Estados de origem, os quais querem que a alíquota seja de pelo menos 4 por cento. A proposta em discussão também prevê a desoneração da folha de pagamento das empresas por meio da redução da contribuição para a Previdência e da extinção do salário educação.
A reforma teria um período de transição de aproximadamente 10 anos. Mesmo assim, o relatório de Mabel é alvo de diversas críticas. Além dos ataques dos setores ligados à educação e à Previdência, os Estados do Nordeste temem perder a capacidade de atrair investimentos se a guerra fiscal de fato terminar. Já o empresariado considera o projeto tímido no que se refere à desoneração.
Mabel culpa a falta de conhecimento e motivações políticas pelo atraso nas discussões sobre a reforma tributária. Por isso, tenta intensificar as negociações com líderes partidários e representantes da sociedade a fim de diminuir as resistências.
"Há uma falta de maiores esclarecimentos e um entrave político em razão de ela (reforma) poder ser aprovada no governo Lula", alegou, destacando que a maior resistência vem de parlamentares oposicionistas ligados ao governador de São Paulo, José Serra (PSDB-SP), potencial candidato à Presidência da República em 2010. "É uma questão muito mais política do que técnica", disparou.
O próprio vice-líder do governo, no entanto, minimiza o argumento do relator. "Tem (resistência) na base do governo também. Quem administra fica de olho no cofre. Isso é natural", ponderou Albuquerque. A pressa do relator é justificável. É consenso no governo e na oposição que a reforma tributária voltará à gaveta se não for aprovada em 2009 - ano sem eleições. "O maior desafio do grupo que defende a reforma tributária é mostrar que ela é necessária, mesmo que as evidências sejam desanimadoras", afirmou o deputado Rodrigo Rocha Loures (PR), representante do PMDB nas negociações.