Notícias
26/07/2016 Jornal GGN
O limite aos gastos públicos na construção do Estado mínimo
A PEC 241, enviada ao Congresso com o suposto objetivo de reverter a médio e longo prazo o desequilíbrio fiscal do Governo Federal, limita, durante vinte anos, os gastos primários da União em termos reais aos valores realizados em 2016.
A depender de seu desenho, a criação de um limite ao aumento dos gastos poderia, de fato, contribuir para alcançar o objetivo declarado, ao elevar a previsibilidade da política fiscal e evitar o aumento excessivo de gastos em momentos favoráveis que acentua o ciclo econômico. Para isso, entretanto, esse limite deveria ser, como tipicamente ocorre nos países em que hoje já é adotado, indexado ao crescimento do PIB ou da receita que deve custeá-los, ou da dívida pública que se pretende reduzir ou estabilizar, ou, como na proposta, definido em termos reais, mas aplicado a um período curto, frequentemente equivalente ao da legislatura, permitindo adaptar a política fiscal a choques adversos e a mudanças nas preferências da sociedade de forma clara e transparente.
Ao se afastar de tais práticas internacionais e adotar uma regra singularmente severa e inflexível e por um período especialmente longo, a proposta do governo interino revela seu objetivo, central embora disfarçado, de asfixiar financeiramente o Estado para, com isso, reduzir sua capacidade de reparar injustiças históricas e promover uma sociedade menos desigual por meio da transferência de renda para seus estratos mais vulneráveis e do fornecimento de mais e melhores serviços públicos para uma população que cresce em número e em demandas.
A asfixia financeira que a PEC propõe fica clara quando realizamos dois tipos de simulação, com dados do FMI e do Banco Mundial, apresentados nos gráficos a seguir. Em primeiro lugar, analisamos como, numa situação extrema se aprovada em todos os níveis da Federação, a proposta alteraria, após os vinte anos para os quais é prevista, a participação dos gastos totais do governo no PIB do país, e a comparamos com a verificada em várias regiões do planeta; isso é feito no gráfico 1 a seguir.
Vemos que essa participação, hoje em torno de 40%, semelhante, portanto, à média dos países desenvolvidos, cairia em vinte anos a menos de 20%, abaixo da que hoje se verifica, em média, nos países da África Subsaariana e da Ásia em Desenvolvimento. Desconsiderando possíveis realocações de prioridades dentro dos gastos públicos, que implicam ganhos para uns, mas perdas para outros setores, esse movimento dos gastos totais se veria refletido na queda da participação dos gastos do governo em setores cruciais para a população tais como, por exemplo, saúde e educação.
Com efeito, como mostram os gráficos 2 e 3, a participação no PIB dos gastos do governo em saúde, hoje em pouco abaixo dos 4% - menos da metade do verificado nos países desenvolvidos -, cairia a menos de 1,5% como ocorre nos países do sul da Ásia. Já a participação dos gastos em educação, próxima hoje a 6% do PIB, cairia a menos de 3%, abaixo da que hoje é em média praticada nos países da África Subsaariana e da Ásia em Desenvolvimento.
Em segundo lugar, podemos simular o que teria acontecido se o limite para os gastos agora proposto tivesse sido introduzido no passado, o que é feito nos seguintes gráficos.
No gráfico 4 que se o limite tivesse sido introduzido em 1996, congelando os gastos em termos reais para os anos seguintes nos valores daquele ano, os gastos totais realizados dezoito anos depois, em 2014, seriam 55% menores do que efetivamente foram. É difícil imaginar os impactos que uma redução de mais de R$ 1,2 trilhão nos orçamentos públicos teria tido mais variadas atividades do governo, particularmente nas transferências financeiras à população e na qualidade e quantidade dos serviços por ele prestados. Nos casos específicos da saúde e da educação, setores que viram nos últimos anos os recursos a eles destinados aumentarem consideravelmente, a redução que o limite teria causado seria ainda maior. Assim, como mostram os gráficos 5 e 6, se esse limite tivesse sido introduzido em 1995, os gastos em saúde e educação em 2012, dezessete anos depois, teriam sido, respectivamente, 61% e 62% menores do que efetivamente foram naquele ano. É difícil acreditar que os serviços nessas áreas não ficassem comprometidos totalmente se os recursos disponíveis, usados principalmente no pagamento de pessoal qualificado – professores, médicos, enfermeiros -, caíssem a menos da metade.
A mesma simulação pode ser utilizada para verificar o que teria ocorrido com a posição relativa do Brasil no que se refere aos gastos públicos per capita se o limite para os gastos tivesse sido introduzido no passado.
Vemos no gráfico 7 que a introdução do limite em 1996 faria com que o gasto total anual per capita do governo que, contrariamente ao que às vezes parece transparecer no debate público, é significativamente mais baixo do que o que o que se verifica nos países desenvolvidos, se reduziria fortemente em relação ao que efetivamente se realizou em 2014, se aproximando ao que se verifica em países de renda muito mais baixa que a do Brasil, como nos países pobres da América Latina, Ásia e África. Novamente, como pode ser visto nos gráficos 8 e 9 a seguir, o impacto do limite é também claro na posição relativa do Brasil nos gastos per capita em saúde e educação.
Se o limite tivesse sido introduzido em 1995, os gastos per capita em valores absolutos no Brasil nesses setores tão fundamentais para a vida da população, já muito afastados dos praticados nos países desenvolvidos, se aproximariam em 2012 daqueles verificados em países como Cabo Verde e Azerbaijão, Bolívia e Indonésia.
A proposta do governo interino traça um caminho contrário ao perseguido pela maioria dos países emergentes, que, em paralelo à elevação da renda per capita, têm aumentado – não diminuído – a participação dos gastos públicos no PIB. Ela inviabiliza o Estado de bem-estar inscrito em nossa Constituição e que é adotado pela ampla maioria dos países desenvolvidos. Em seu lugar, resgata um modelo de sociedade em que o Estado pouco gasta e pouco faz, o Estado mínimo vigente na maioria dos países onde a população permanece na pobreza. Para quem não utiliza quotidianamente serviços públicos, esse Estado pode parecer ideal. Para a ampla maioria da população que deles depende para educar seus filhos e cuidar de sua saúde e para quem almeja uma sociedade mais justa, a proposta constitui um imenso retrocesso.