08/08/2016 Carta Capital
Presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais alerta para os riscos da proposta.
A Câmara dos Deputados adiou para a próxima semana a votação do projeto de renegociação das dívidas dos Estados junto à União, prevista inicialmente para a terça-feira 2.
As negociações emperraram em meio à falta de consenso sobre as contrapartidas exigidas dos entes federativos em troca do alongamento da dívida e da carência nas parcelas iniciais.
Na proposta original do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, exigia-se um limite de gastos com pessoal, a proibição de reajustes a servidores públicos por dois anos e a fixação de um teto para os gastos públicos. A equipe econômica do governo interino viu-se forçada, porém, a rever diversos pontos, por conta das pressões de parlamentares de sua própria base.
Na avaliação de Roberto Kupski, auditor-fiscal da Receita do Rio Grande do Sul e presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), as contrapartidas exigidas violam a autonomia dos estados e o Pacto Federativo, além de empurrar a conta da crise aos servidores. Confira a entrevista concedida à revistaCartaCapital:
CartaCapital: A proposta da União resolve a situação fiscal dos estados?
Roberto Kupski: O projeto não resolve a situação da dívida dos estados, pois os débitos permanecem após os mandatos dos atuais governadores. Ele traz um alívio financeiro, o que é importante, especialmente para os mais endividados, como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Alagoas e São Paulo. Mas o saldo que não vai ser pago agora terá de ser quitado mais para frente, com juros de 4% ao ano. Portanto, dentro de dois ou três anos os governadores podem estar de pires na mão novamente.
CC: As contrapartidas exigidas pelo governo federal são excessivas?
RK: Sem dúvida, os servidores públicos correm o risco de ficar sem reajuste salarial, sem aumento, sem adequação. Os concursos públicos podem ser suspensos. Nos estados, há forte carência de profissionais em três áreas que exigem muita mão de obra: segurança, educação e saúde. De que adianta ter um hospital equipado se não houver médicos? Qual é o sentido de ter uma escola belíssima sem professores? Qual será a utilidade dos quarteis e das viaturas sem policiais para patrulhar as ruas?
Esse projeto mexe em dezenas de dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, com implicações muito sérias. A Câmara não deveria levar um projeto desta magnitude ao Plenário de forma tão açodada, sem uma discussão mais ampla em comissões. Os 513 deputados não têm condição de conhecer com afinco o que será votado, a toque de caixa.
CC: Estão empurrando a conta aos servidores. É isso?
RK: Exatamente, mas o servidor publico não é o responsável por essa queda da atividade econômica, que decorre muito de uma politica econômica equivocada conduzida pela União. A principal fonte de arrecadação dos estados é ICMS, que incide sobre o consumo. A diminuição dos investimentos leva à redução do emprego, da renda, do imposto a ser recolhido. Deveríamos nos preocupar em fazer a receita crescer, e não diminuir. Esse projeto, além de prejudicar os servidores, pode esculhambar com a politica do estado.
CC: E todo esse sacrifico é para honrar o pagamento de juros.
RK: Exato, nisso ninguém mexe. Da mesma forma, ninguém parece preocupado em discutir como gerar receita, só se olha para a despesa, para os gastos com pessoal, para os investimentos. Além disso, a União está extrapolando sua competência. Como pode dizer que os estados do Rio Grande do Sul e do Amazonas, em um País continental como o nosso, vivem a mesma situação, para determinar, numa canetada, que não pode mais haver concurso público em determinada área? Um estado pode estar bem em uma área, e ter carência em outra. A decisão vai partir de um governo central? É uma invasão de competência, que retira a autonomia dos governadores. Do jeito que a coisa caminha, logo mais a União nomeará interventores para gerir os estados.
CC: Argumenta-se que os estados são indisciplinados da gestão de seus recursos, gastam mais do que arrecadam. Por isso, seria necessário exigir certas contrapartidas.
RK: Entendo que não. A Secretaria de Tesouro Nacional faz um monitoramento das dívidas ano a ano. Os estados já estão no cabresto da União. O que ocorreu, nos últimos anos, foi uma abrupta redução da receita. A Lei Kandir, para citar um exemplo, exonerou totalmente os tributos de exportação. O Brasil precisava de recursos em moeda estrangeira, incentivou as exportações, mas os estados abriram mão de uma arrecadação de ICMS que chega a 60 bilhões de reais, quando o ressarcimento gira em torno de 3 bilhões.
CC: O que o senhor propõe ao Legislativo?
RK: Dividir o projeto. Primeiro, é preciso resolver a questão da dívida dos estados, e o Supremo Tribunal Federal inclusive acolheu o acordo no sentido de oferecer seis meses de carência. Aprova essa parte, mais simples, pois dá um alívio financeiro aos estados, e joga o restante para a análise das comissões. É preciso estudar se realmente isto é o melhor para o Brasil, fazer o debate legislativo que não está sendo feito. Não dá para tocar um projeto com impacto tão grande dessa forma, em regime de urgência.