01/04/2009 VALOR ECONÔMICO
Técnicos do Ministério da Fazenda calculam que um quarto e amplo refinanciamento de dívidas tributárias, nas condições aprovadas recentemente pelos deputados federais, reduziria drasticamente a arrecadação anual obtida com as oito modalidades de parcelamento existentes. Nas contas deles, esse tipo de receita cairia dos atuais R$ 19,2 bilhões para R$ 4,8 bilhões por ano.
A perspectiva desses graduados assessores é ainda mais pessimista para a tramitação da matéria no Senado. Naquela Casa, a base do governo é menor e eles ainda aguardam alguma emenda que beneficie os contribuintes na polêmica do crédito prêmio do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), longa disputa judicial que está no Supremo Tribunal Federal e envolve centenas de bilhões de reais.
Segundo os procuradores, uma emenda na conversão da MP 449 beneficiando contribuintes não encerraria a disputa. Criado em março de 1969, o crédito prêmio era um benefício à exportação pelo qual a indústria recebia do governo créditos de até 15% do valor de sua exportação. O governo extinguiu o benefício em 1983, mas advogados alegam que continua em vigor. O Superior Tribunal de Justiça tinha posição pró-contribuintes até 2004, quando passou a aceitar a tese do governo.
Com relação ao novo refinanciamento, a interpretação de auditores da Receita e procuradores da Fazenda indica que as condições aprovadas na conversão da Medida Provisória (MP) 449, são ainda mais benéficas que as do Refis, de nove anos atrás. O substitutivo apresentado pelo relator Tadeu Filipelli (PMDB-DF) tolera, nos pagamentos à vista, descontos em juros, multas e encargos legais, espécie de honorários advocatícios da PGFN, que variam entre 10% e 20% do valor devido.
No bondoso Refis, de 2000, apelidado de "mãe dos parcelamentos", não havia limite no tempo porque os parlamentares aprovaram um teto para o pagamento mensal de acordo com o faturamento da empresa devedora. Quando foi criado o Refis, aproximadamente 120 mil pessoas jurídicas aderiram ao programa, mas, atualmente, apenas onze mil continuam honrando os pagamentos. Na visão dos técnicos da Fazenda, isso significa que é altíssima a exclusão por inadimplência, apesar das condições excepcionalmente generosas. "Pagar não é o principal interesse desse tipo de contribuinte", lamenta um assessor.
Para a simples adesão ao novo parcelamento, de acordo com o substitutivo do deputado Filipelli, o devedor poderá pagar tributos atrasados em até 15 anos (180 meses). Também há importantes reduções de nas multas, juros e encargos. Na visão do governo, em algumas situações, o devedor vai pagar praticamente o valor original do débito. Nas alterações ao texto original da MP 449 aprovadas na Câmara, o que mais irritou o governo foi a troca da taxa Selic (11,25% ao ano) pela Taxa de juros de longo Prazo (TJLP, 6,25% ao ano). A Selic seria usada para trazer a dívida a valor presente e a TJLP seria usada para corrigir as parcelas no futuro. Se essa norma não for vetada pelo presidente, a União vai financiar os devedores em detrimento de seus próprios títulos.
O substitutivo do relator Filipelli para a conversão da MP 449 em lei foi aprovado na noite de 24 de março. Nas duas semanas anteriores, o governo negociou, em vão, a derrota. Para uma fonte que participou da maioria desses encontros, a crise econômica foi o álibi para que parlamentares de todos os partidos defendessem, sem embaraço, um amplo refinanciamento de dívidas, o que desfigurava a MP 449.
Na última reunião entre representantes do Ministério da Fazenda e deputados, realizada em 23 de março, ocorreu o momento de maior tensão. O líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS), deixou claro que o presidente poderá vetar o refinanciamento, o que deixou os parlamentares irritados.
Para a Fazenda, aprovar um novo e amplo refinanciamento é desestimular o pagamento de tributos que, atualmente, supera os 90% da arrecadação. Desde 2000, o Congresso vem aprovando parcelamentos de três em três anos, o que passa aos contribuintes a mensagem de que não vale a pena pagar impostos.
Relator da Medida Provisória 450, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) diz que, embora diferente da que foi originalmente editada pelo Palácio do Planalto, a versão aprovada pelos deputados, a ser submetida nos próximos dias ao Senado, não contém nada que não tenha sido previamente acertado com o Executivo. Todas as modificações aprovadas pela Câmara, na semana passada, ou foram pedidas ou foram aceitas pelo governo, diz o relator
A MP 450, editada em dezembro, é a que autoriza a União a participar de um Fundo de Garantia a Empreendimentos de Energia Elétrica. De natureza privada, o FGEE tem por finalidade prestar garantias a financiamentos tomados por empresas estatais, por intermédio de sociedades de propósito específico das quais participem, para investir em novos projetos de energia elétrica.
Segundo Eduardo Cunha, a única modificação relevante incluída por iniciativa dele mesmo foi a possibilidade de os Estados e o Distrito Federal também serem cotistas do FGEE. A ideia de abrir o fundo à participação dos governos dos Estados e do DF resultou de uma reunião do relator com dirigentes de empresas estaduais de energia elétrica e foi prontamente aceita pelo governo federal e sua base de apoio parlamentar.
Da mesma forma que a União, uma vez aportando recursos ao FGEE, os Estados poderão dar garantia a operações de financiamento de empreendimentos em energia elétrica até o limite da participação de suas empresas estatais nas SPEs responsáveis pelos empreendimentos.
A mais polêmica das alterações previstas no substitutivo do relator foi proposta pelo próprio governo, mais especificamente pelo Ministério das Minas e Energia. Trata-se da possibilidade de o presidente da República definir, por decreto, procedimentos simplificados de licitação paras as compras de bens e serviços da Eletrobrás e demais empresas do grupo. Conforme Cunha, isso já vale para o grupo Petrobrás desde 1997.
O ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, é do PMDB, o mesmo partido do relator. A modificação foi incluída no projeto de conversão em função de um critério definido pela liderança do governo. Segundo esse critério, exceto no caso de modificações relativas ao próprio FGEE, que dependiam de consulta ao Ministério da Fazenda, quem representa a vontade do governo nas negociações em torno da MP 450 é Ministério das Minas e Energia. Cunha conta que ele, como relator, deixou de acatar emendas com as quais concordava porque o ministério não aceitou.
A oposição chegou a apresentar destaque para derrubar as licitações simplificadas, mas foi derrotada. PMDB, PTB, PSC, PT, PR e PP orientaram suas bancadas a votar pela manutenção da emenda defendida por Lobão. PSB, PCdoB e PMN liberaram bancadas. Só pediram voto contra a emenda (a favor do destaque) PSDB, DEM, PPS, PDT, PV e P-SOL.