21/05/2018 El País
Quem ganha mais de 200.000 reais por mês no Brasil pode estar pagando imposto de renda como se ganhasse apenas 60.000 reais. A conta foi feita por associações de auditores fiscais que promovem neste ano eleitoral uma campanha para mudar a forma como os impostos são cobrados no país.
Promovido pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) e pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), o movimento Reforma Tributária Solidária, menos Desigualdade divulga em junho um diagnóstico de 800 páginas sobre o sistema de tributos brasileiro. O levantamento deve desembocar em propostas de reforma em agosto, com vistas a influir na eleição.
"Não se pode alegar que a empresa já pagou o tributo. O lucro e o dividendo têm o mesmo valor para um sócio do que o salário tem para mim. Não existe bitributação, porque são dois entes distintos, a pessoa jurídica e a pessoa física", argumenta o auditor. É essa uma das mensagens que os auditores têm promovido país afora. O grupo lançou um manifesto em abril para dar início à mobilização e, desde então, eles circulam pelo Brasil para promover suas ideias. Alcantara já passou por quatro dos oito estados pelos quais vai viajar pelo movimento — de Rondônia, ele planejava seguir para Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Segundo o auditor, as propostas de reforma tributária atualmente discutidas não reformam o sistema, porque são apenas pontuais. "A principal doença do sistema tributário brasileiro é a regressividade”, critica, porque, acima de 40 salários mínimos, o imposto começa a ser regressivo, por causa da distorção dos lucros e dividendos. A maior alíquota efetiva do imposto de renda no Brasil é de 11,8% — ela corresponde à faixa entre 30 e 40 salários mínimos. A partir desse ponto, a alíquota efetiva vai caindo até chegar a 5,1%, "justamente para os indivíduos com renda superior a 320 salários mínimos mensais”, diz a pesquisa.
Outros números para ajudar a entender a distorção apontada pelos auditores: nas faixas de renda superiores a 320 salários mínimos mensais, a base de cálculo para imposto representa apenas 7,7% da renda total declarada; já nas faixas de rendas inferiores, entre um e cinco salários mínimos, corresponde a mais de 60%. "Apenas Brasil e Estônia não tributam essa renda. Todos os países capitalistas desenvolvidos tributam", argumenta Alcântara, destacando que os 39 artigos que vão compor o diagnóstico a ser lançado em junho têm como meta localizar a cobrança de impostos no Brasil dentro do contexto mundial.
Promessas
O Governo Michel Temer promete desde o ano passado a apresentação de uma proposta de minirreforma ao Congresso Nacional, mas o tumulto político e a intervenção federal no Rio de Janeiro— que trava a agenda legislativa por impedir a votação de propostas de emenda à Constituição — não permitiram avanços até agora. A principal mudança seria a simplificação da cobrança do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), contribuições que incidem sobre a receita das empresas e são usadas para financiar políticas sociais.
Uma outra proposta já tramita no Congresso Nacional e prevê aumento da taxação da renda, que seria compensando com uma redução da carga tributária sobre o consumo, como sugerem os auditores fiscais. Ela também transformaria uma dezena de tributos (IPI, IOF, CSLL, PIS, Cofins, Salário-Educação, Cide, ICMS e ISS) em apenas dois: um sobre valor agregado, chamado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), e outro chamado Imposto Seletivo, que incidiria sobre bens e serviços como combustíveis, cigarros e energia elétrica.
Relator do plano na Comissão Especial da Reforma Tributária, o deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) diz que a proposta é de cobrança progressiva. "Vamos aumentar a tributação dos que ganham mais e diminuir a dos mais pobres, fazer com que o Brasil comece a ter um sistema tributário harmonizado aos sistemas tributários europeu, canadense e americano”, prometeu em janeiro, quando o projeto era discutido com mais intensidade. Desde então, a reforma segue como promessa.