12/04/2019 Correio do Povo
Regime de aposentadoria não funcionou em país algum. Eu tenho uma obsessão: conferir o que os demais países, especialmente a Europa desenvolvida e os Estados Unidos, fazem. Se apenas o Brasil agarra-se a alguma coisa, eu me pergunto: será uma jabuticaba? Somente Brasil, Estônia e Eslováquia não taxam dividendos. Pode ser bom isso? Por que a Alemanha taxa? Conclusão amarga: é jabuticaba. Essa minha mania me leva a ler documentos incríveis. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão da ONU, publicou um trabalho fundamental sobre regime de aposentadoria por capitalização. No site brasileiro da OIT tem uma boa síntese: “Reversão da Privatização de Previdência: questões chaves”.
O resumo da tragédia é simples como uma laranja no pé: “De 1981 a 2014, trinta países privatizaram total ou parcialmente seus sistemas de previdência social obrigatórios”. Dezoito já voltaram atrás. Algum país da Europa desenvolvida embarcou nessa aventura? Nenhum. Eles não são loucos. Quem foram os ousados visionários do fracasso? “Quatorze países são da América Latina: Chile (primeiro a privatizar em 1981), Peru (1993), Argentina e Colômbia (1994), Uruguai (1996), Estado Plurinacional da Bolívia, México e República Bolivariana da Venezuela (1997), El Salvador (1998), Nicarágua (2000), Costa Rica e Equador (2001), República Dominicana (2003) e Panamá (2008); Outros quatorze são da Europa do Leste e da antiga União Soviética -Hungria e Cazaquistão (1998), Croácia e Polônia (1999), Letônia (2001), Bulgária, Estônia e Federação Russa (2002), Lituânia e Romênia (2004), Eslováquia (2005), Macedónia (2006), República Checa (2013) e Armênia (2014); E mais dois países da África – Nigéria (2004) e Gana (2010)”.
Nada de França, Alemanha, Inglaterra ou Estados Unidos. Quem já recuou para o regime de repartição? “República Bolivariana da Venezuela (2000), Equador (2002), Nicarágua (2005), Bulgária (2007), Argentina (2008), Eslováquia (2008), Estônia, Letônia e Lituânia (2009), Estado Plurinacional da Bolívia (2009), Hungria (2010), Croácia e Macedônia (2011), Polônia (2011), Federação da Rússia (2012), Cazaquistão (2013), República Tcheca (2016) e Romênia (2017)”. O Chile persiste. Aposentados recebem menos do que o salário mínimo do país. Muitos se suicidam. Mas o imperturbável Paulo Guedes acha que o modelo chileno é um grande exemplo.
Por que o regime de capitalização fracassou em tantos países e que consequências provocou? O estudo da OIT apresenta uma cesta completa de problemas: as taxas de cobertura estagnaram ou diminuíram; as prestações previdenciárias se deterioraram; a desigualdade de gênero e de renda aumentou; os altos custos de transição criaram pressões fiscais enormes; os custos administrativos tornaram-se elevados; com governança frágil, houve captura das funções de regulação e supervisão; concentração no setor de seguros privados; deteriorou-se o diálogo social; os riscos demográficos e do mercado financeiro foram transferidos para os indivíduos. Ganha um autógrafo de Paulo Guedes quem acertar a resposta para a pergunta feita pela OIT: quem se beneficiou das poupanças de aposentadoria das pessoas? Bingo! O setor financeiro. Só há um argumento sólido contra a OIT e a ONU: são organizações sabidamente comunistas.
Resumo da ideia absurda de Paulo Guedes: aposentadoria por capitalização só é boa para bancos. Gera velhos miseráveis. Como Guedes é um banqueiro que desconhece a vida real e não precisa de aposentadoria, confunde o seu delírio com a realidade. Acha que basta obrigar a poupar e tudo estará resolvido. Prefere ignorar a experiência disponível no mundo inteiro para tentar realizar a sua utopia, que tem tudo para virar pesadelo. A base do surto é aplaudida por interessados, pois poderá dispensar patrões de contribuir para o bolo das aposentadorias. Isso tem um nome: ideologia.