24/04/2019 Sul21
O Governo do Estado deixou de arrecadar R$ 182 milhões com agrotóxicos, apenas em 2016. O valor consta em ofício enviado pela Receita Estadual ao Fórum Gaúcho de Combate ao Impacto dos Agrotóxicos. As isenções estão previstas no Convênio 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), formado por secretários estaduais da Fazenda e integrantes do Governo Federal. O convênio vence no dia 30 de abril, mas, em reunião no último dia 5, os conselheiros acertaram sua renovação por mais um ano. A decisão foi unânime, e, portanto, contou com apoio do Governo gaúcho.
De acordo com este convênio, nas operações interestaduais fica reduzida em 60% a base de cálculo do ICMS para inseticidas, fungicidas, herbicidas, entre outros produtos químicos utilizados na agricultura e na pecuária. Já nas operações internas, os Estados ficam autorizados a conceder redução da base de cálculo ou isenção do ICMS. O Rio Grande do Sul optou pela segunda alternativa. Ou seja, desde 1997, quando foi estabelecido o convênio, a comercialização de agrotóxicos dentro do território gaúcho não gera qualquer arrecadação deste tributo. Assim, a Receita Estadual estima que, em 2016, o Estado poderia ter arrecadado R$ 204 milhões com agrotóxicos, mas, efetivamente, a arrecadação ficou em apenas R$ 22 milhões.
“Essas isenções são descabidas”, afirma o procurador da República Rodrigo Valdez de Oliveira, coordenador do Fórum Gaúcho de Combate ao Impacto dos Agrotóxicos. “Esses produtos vão causar intoxicação de trabalhadores e gastos com o SUS, então é um contrassenso. Em segundo lugar, nós temos um insumo com isenção e o produto final é taxado. A gente deveria ter isenção no produto da cesta básica, ou uma diminuição, não colocar isto em um dos insumos”, completa.
Tramita no STF, desde 2016, uma Ação de Inconstitucionalidade contra as cláusulas primeira e terceira do convênio, movida pelo PSOL. O convênio prevê uma série de isenções de ICMS para outros insumos agropecuários, mas estas duas cláusulas são as que tratam dos agrotóxicos. A ação é apoiada por diversas entidades de defesa do meio-ambiente, que foram admitidas pelo STF como amici curiae, entre elas Terra de Direitos, Campanha Nacional Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, FIAN BRASIL e Associação Brasileira de Agroecologia.
“É estarrecedor que o Estado, que pretende vender seu patrimônio, que atrasa salários de professores, abra mão desses recursos. É uma sangria. E os agrotóxicos causam danos à saúde, gerando mais custos. É um círculo perverso”, afirma Leonardo Melgarejo, vice-presidente para a Região Sul da Associação Brasileira de Agroecologia. “É uma das causas da falência do Estado, já que estas isenções não são apenas para os agrotóxicos, mas para todas as áreas”, completa.
Um parecer da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defende a inconstitucionalidade das isenções para os agrotóxicos. A procuradora assinala que a Constituição Federal prevê a defesa do meio ambiente e da saúde dos trabalhadores. “Os instrumentos tributários impugnados percorrem o caminho inverso, (…) ao estipularem benefícios fiscais aos agrotóxicos, intensificam o seu uso e, portanto, sujeitam o meio ambiente, a saúde e a coletividade dos trabalhadores aos perigos inerentes ao manuseio em larga escala”, afirma.
Em entrevista concedida por email, o secretário estadual de Agricultura, Covatti Filho, evitou falar sobre o tema, afirmando que o assunto é de responsabilidade da Secretaria da Fazenda. Esta pasta, por sua vez, limitou-se a dizer que “existe uma discussão nacional sobre o Convênio 100/97” e que os secretários estaduais optaram por renová-lo por mais um ano enquanto este debate é feito.
Produtores temem aumento nos custos
O presidente da Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul (APROSOJA-RS), Luiz Fernando Fucks, afirma que o fim das isenções retiraria dinheiro do interior do Estado. “De onde saem os impostos do governo? Saem de quem está produzindo. Estes 180 milhões vão sair do interior do Estado, onde o agricultor gera renda”.
Segundo Fucks, o Convênio 100/97 foi instituído para garantir o investimento dos produtores rurais em insumos de alta tecnologia. “Foi o que garantiu o Brasil sair de importador de alimentos para segundo maior exportador do mundo, e ter um setor que garante saldo positivo na balança comercial e pagar as contas do déficit dos demais setores e do Governo”, diz.
A APROSOJA Brasil projeta que o fim do convênio geraria um aumento médio no país de 10% no custo operacional. No Rio Grande do Sul, o custo aumentaria em um valor entre 200 e 220 reais por hectare, mas estes cálculos englobam não apenas os agrotóxicos, como uma série de outros insumos. “Esse convênio é o mínimo em função de toda a carga tributária que o produtor tem. A soja argentina e a americana têm um custo menor de produção. Essa medida nos torna mais competitivos”, garante.
Outras isenções também trazem impactos bilionários aos cofres públicos
Além das isenções de ICMS para agrotóxicos, a Ação de Inconstitucionalidade do PSOL também trata da isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para 24 produtos químicos utilizados no campo. A isenção de IPI para estes agrotóxicos está em vigor no Brasil desde 1979, por meio de sucessivos decretos.
Um ofício enviado ao STF pelo Ministério da Fazenda revela que entre 2012 e 2017 o Governo Federal deixou de arrecadar R$ 321 milhões com agrotóxicos, com estes valores crescendo anualmente. Para 2018, o Ministério projetava renúncia de 84 milhões, subindo para 93 milhões em 2019 e 101 milhões em 2020.
Chama atenção que um dos questionamentos que o relator, ministro Edson Fachin, enviou ao Ministério da Fazenda. “Assumindo que o barateamento do preço de alimentos e a competitividade econômica da agricultura brasileira foram elementos relevantes, como argumenta a Presidência da República em informações, houve avaliação técnica de instrumentos creditícios ou financeiros alternativos e de mesma eficácia? Quais?” A pergunta ficou sem resposta.
Além da isenção de IPI, valores ainda maiores deixam de ser arrecadados devido à isenção de PIS/PASEP e COFINS para uma série de agrotóxicos, instituída pela Lei 10.924/2004. Segundo reportagem do Intercept, apenas entre 2011 e 2016, a União deixou de arrecadar R$ 6,85 bilhões somente com estas contribuições.
Na contramão destas isenções, um projeto que tramita no Congresso Nacional institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA), “com o objetivo de implementar ações que contribuam para a redução progressiva do uso de agrotóxicos”. Proposto pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), e apoiado por diversas entidades, o projeto prevê entre as ações “eliminar subsídios, isenções e outros estímulos econômicos, financeiros, tributários e fiscais aplicáveis na importação e comercialização de agrotóxicos”. Ao contrário, a proposta é dar estímulos fiscais para “a pesquisa, desenvolvimento, produção e comercialização de produtos de base limpa, agroecológica, orgânica ou de controle biológico”.
Para economista, danos gerados por agrotóxicos deveriam compor o preço do produto
Utilizando dados do IBGE no Paraná, o economista e doutor em Saúde Pública pela FIOCRUZ Wagner Soares estabeleceu os custos com saúde que intoxicações agudas por agrotóxicos podem causar. No pior cenário, em estabelecimentos agropecuários que oferecem maiores riscos aos trabalhadores, chegou-se à conclusão de que cada US$ 1 investido em agrotóxicos gera um custo de até US$ 1,28.
“Isto é só a pontinha do iceberg”, ressalta o pesquisador, uma vez que não se considerou os custos por doenças geradas pela intoxicação crônica com estes produtos. “Utilizei apenas a intoxicação aguda porque é mais fácil de estabelecer a relação causa e efeito. Mas, certamente, considerando a intoxicação crônica esse custo explodiria”.
Em economia, estes gastos gerados pelos agrotóxicos são considerados uma externalidade, uma espécie de efeito colateral. “O preço dos agrotóxicos não inclui esses custos, só inclui os gastos na sua produção. Então, esse custo é socializado entre toda a população”, explica o economista. “Isso é uma falha de mercado”, defende.
Wagner Soares explica que, no Brasil, os únicos instrumentos para fazer com que esses custos sejam pagos pelo setor agropecuário são multas e outras punições, instrumentos conhecidos como de “comando e controle”. “Em países desenvolvidos há instrumentos de incentivo econômico. Você taxa a produção suja e dá subsídios à produção limpa. O que se tenta fazer é cobrar um imposto equivalente a esse dano, internalizando esse custo. O Brasil inverteu essa lógica com os agrotóxicos, estimulando a produção suja”, diz.
Por outro lado, o próprio Brasil conhece um caso de sucesso com a taxação. “No caso do cigarro, houve redução da mortalidade por câncer, utilizando instrumentos econômicos”, ressalta Soares.