10/05/2019 El País
Para se aposentar sem ser por tempo de contribuição, a saída seria conseguir o benefício que garante um salário mínimo mensal, atualmente 998 reais, para pessoas com deficiência ou idosos com 65 anos ou mais, que não possuem meios de prover seu próprio sustento nem ajuda familiar, o chamado BPC (Benefício de Prestação Continuada), previsto na Lei Orgânica da Assistência Social. “Não consegui o benefício porque meu marido é aposentado e ganha um salário mínimo”, conta. Para ser elegível ao benefício, Nailda Silva deveria ter uma renda de aproximadamente 250 reais, ou um quarto do salário mínimo. “Eles alegam que dá para duas pessoas viverem com um salário mínimo”, lamenta.
Em um país com alto grau de informalidade —40,8% de toda a população ocupada trabalhava sem carteira assinada em 2017— não são poucos os brasileiros que assim como Nailda Silva não conseguem receber uma proteção previdenciária e tampouco assistencial. Em 2017, 15% dos idosos do país estavam desprotegidos, segundo a Secretaria de Previdência.
Em alguns Estados, mais de 20% da população idosa se encontrava nesse hiato, como no Amazonas, no Amapá e em Roraima. "Mesmo em Estados mais prósperos, como São Paulo e o Rio de Janeiro, um quinto dos idosos não recebe prestação da Seguridade. São ex-trabalhadores de classe média baixa, que não conseguiram carteira assinada pelos 15 anos exigidos pelo INSS, mas não vivem em famílias tão pobres a ponto de poder receber o BPC ", explica o consultor legislativo Pedro Nery, autor do livro Reforma da Previdência - Por que o Brasil não pode esperar?.
A falta de proteção atinge, em sua maioria, as mulheres acima dos 60 anos. Dos 4,7 milhões de idosos desprotegidos, 66% são mulheres. Laura Rosa Bittencourt, de 68 anos, é uma das trabalhadoras que está no limbo da aposentadoria. Está no mercado desde os 16 anos, quando deixou a casa de sua família em Curitiba para se tornar babá em São Paulo. Nunca foi registrada.
Fez de tudo um pouco e chegou a ter, inclusive, uma loja de calçados femininos. Mas o empreendedorismo se tornou um dos períodos mais difíceis de sua vida. Com uma filha pequena, a realidade não permitia planejar o futuro. Na época, foi inclusive aconselhada a não pagar aposentadoria. “Diziam que poderia deixar mais para frente, que eu não precisava me preocupar”, conta.
Nos últimos 16 anos, trabalha fazendo serviço de limpeza para o prédio onde mora, alugado pela filha. Não é registrada, mas acordou com o condomínio que eles pagariam seu INSS. Deveria ter se aposentado em 2018. “Recolhem picado, já ficaram 32 meses sem pagar”, conta. Tentou o BPC-LOAS, sem sucesso, porque consideram a renda da filha, que, apesar de não morar com a mãe, arca com os demais custos do apartamento além do aluguel. Sua esperança é tentar convencer seu empregador a pagar o que falta. “Eles falam que o prédio está sem dinheiro. Mas já perguntei para o síndico: vocês vão me aposentar só quando eu fizer 90 anos?”
Na avaliação do economista e pesquisador Marcelo Medeiros, o projeto de reforma da Previdência proposta pelo Governo de Jair Bolsonaro – que prevê idade mínima para se aposentar de 62 anos, para mulheres, e 65 anos, para os homens, com pelo menos 20 anos de contribuição – pode aumentar o número de brasileiros no limbo da aposentadoria. "Essa reforma não lançou uma pergunta importante: quem vai conseguir se aposentar? Porque há um grupo da sociedade que não terá dificuldade pelo aumento da idade e sim pelo tempo de contribuição", explica. Segundo o pesquisador vinculado atualmente à Universidade de Princeton, nos EUA, a nova reforma não levou em conta as características do nosso mercado de trabalho, altamente informal com uma massa de pessoas de renda baixa que não conseguem contribuir de forma autônoma. "Hoje, essas pessoas sem carteira assinada ou autônomas precisam escolher entre comprar comida para os filhos ou contribuir para a Previdência. É claro que elas vão escolher a comida", explica.
Medeiros ressalta ainda que as mulheres pobres serão o grupo com maior dificuldade para se aposentar caso as novas regras sejam aprovadas. "As mulheres saem do mercado de trabalho para cuidar dos seus filhos e, quando voltam, nem sempre retornam para o setor formal, especialmente as mais pobres. Qualquer medida que torne mais rigoroso o tempo mínimo de contribuição é cruel com esse grupo". Para o pesquisador, ao invés de discutir idade mínima diferenciada para homens e mulheres, o debate deveria se concentrar sobre o tempo de contribuição diferenciado para não deixar que as mulheres com baixa renda fiquem desprotegidas.
Com o argumento de proteger os idosos
O futuro do próprio BPC, porém, está em xeque. Há processos em tramitação tanto no Supremo quanto no Congresso para mudar o critério de renda mínima para se enquadrar no programa. Hoje é de 1/4 do salário mínimo, e a proposta é que suba para meio salário mínimo. Além disso, o modelo de Previdência proposto pelo Governo quer postergar, levando de 65 para 70 anos, o benefício social de um salário mínimo, e em contrapartida oferece um valor de 400 reais para os trabalhadores pobres, com renda até 250 reais, a partir dos 60 anos. A medida tem gerado controvérsia. Enquanto Rogério Marinho, secretário especial de Previdência, defende que o Governo está tentando antecipar uma assistência que hoje só é dada aos 65 anos, críticos afirmam que a proposta tenta desvincular o salário mínimo do benefício (o que retira uma garantia de reajuste) e tenta economizar às custas dos mais pobres.
O projeto de renda básica universal para idosos que não têm aposentaria, de Pedro Paulo, é diferente do modelo de renda universal testado em países como Suíça e Finlândia, e que se tornou conhecido como bandeira de trabalho do agora vereador Eduardo Suplicy (PT-SP). A Renda Básica de Cidadania propõe que o Estado garanta um benefício monetário suficiente para atender às despesas mínimas com alimentação, educação e saúde, a todos os brasileiros residentes no país, bem como estrangeiros há pelo menos cinco anos no Brasil, não importando a condição econômica. A Lei 10.835, proposta por Suplicy, foi aprovada pelo Congresso, e chegou a ser sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e, janeiro de 2004, mas dependia de regulamentação e nunca saiu do papel.