02/09/2019 GaúchaZH
A permanência do cenário de dificuldades na economia impede avanço consistente da renda no Rio Grande do Sul. Depois de encolher durante a crise, o rendimento dos trabalhadores gaúchos ensaiou retomada, mas segue em nível similar ao de 2014 — o maior patamar da série histórica foi registrado em 2013. A relativa estagnação dos salários por cinco anos, somada ao alto desemprego, tende a frear a reação do consumo das famílias, um dos motores do crescimento econômico.
No segundo trimestre deste ano, o rendimento médio real dos ocupados foi de R$ 2.558 no Estado, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Frente a igual intervalo de 2014, quando a economia nacional dava sinais de que poderia entrar em recessão, houve alta de 0,8% – ou R$ 21. À época, o rendimento médio era de R$ 2.537.
O auge da série histórica, iniciada em 2012, foi registrado no terceiro trimestre de 2013. Na ocasião, os ganhos chegaram a R$ 2.620, marca 2,4% superior à verificada entre abril e junho de 2019. Os dados levam em conta a variação da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Para o analista Walter Paulo de Sousa Rodrigues, do IBGE, o fato de a renda não engatar retomada mais consistente reflete, em parte, o avanço da informalidade no mercado de trabalho. Com o corte de vagas em empresas durante a crise, profissionais apostaram em ocupações sem carteira assinada ou com menor carga horária para garantir seu sustento. Nesses casos, o risco é de os salários ficarem menores, pontua Rodrigues.
No período de abril a junho de 2019, o número de trabalhadores informais subiu 2,9%, para 1,7 milhão, no setor privado gaúcho. Isso significa que, frente a igual período de 2018, 48 mil pessoas migraram para vagas sem carteira assinada ou CNPJ, conforme o IBGE.
— O rendimento dos trabalhadores tem permanecido praticamente estável. Sem grande aumento, novas despesas ficam limitadas. A alta na informalidade faz as pessoas ficarem com maior receio em relação às despesas — avalia Rodrigues, coordenador da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) no Estado.
O IBGE considera como empregado tanto o trabalhador que realiza funções com carteira assinada ou CNPJ quanto quem atua sem os registros. No segundo trimestre, o número de desempregados subiu 2,4% frente a igual período de 2018, para 505 mil. Ou seja, o grupo ganhou mais 12 mil pessoas nesse intervalo. Na comparação com os meses de abril a junho de 2014, a alta é bem mais robusta, de 75,9%. À época, o Estado tinha 287 mil trabalhadores sem emprego.
— A estagnação da renda, somada ao elevado número de desempregados, indica que é difícil, neste momento, contar com o consumo das famílias como motor da retomada. A reação dificilmente virá daí. A estagnação da renda acompanha o desempenho da economia — sublinha o economista Pedro Dutra Fonseca, professor da UFRGS.
Apesar da situação, o Rio Grande do Sul teve, no segundo trimestre, o maior rendimento médio da Região Sul e o quarto mais elevado do país. Paraná (R$ 2.488) e Santa Catarina (R$ 2.479) apareceram na sequência do ranking nacional, na quinta e na sexta posições.
A liderança foi do Distrito Federal (R$ 3.945). Na outra ponta, o Maranhão apresentou a menor marca (R$ 1.328). A média brasileira ficou em R$ 2.290 – 10,5% mais baixa do que a gaúcha.
— Enquanto a recuperação na economia for lenta, haverá dificuldades na renda. O mercado de trabalho responde ao nível de atividade no país. Poder de compra, confiança dos consumidores e acesso a crédito são motores das vendas do varejo — observa o economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank.
Sandra Martins, 65 anos, sentiu as dificuldades da crise nos últimos anos. Responsável por uma franquia de modeladores estéticos e cirúrgicos na Capital, a microempresária teve de cortar custos de operação para manter as portas abertas. Três funcionários optaram por deixar o local, e as vagas não foram repostas. Paralelamente, a loja também passou a vender lingeries e ampliou contatos com clientes via redes sociais, na tentativa de aumentar os negócios.
— Buscamos nos reinventar. Desde 2015, o microempresário sobrevive com a insistência de que as coisas vão melhorar. Aqui no Estado, se o funcionário público recebe o salário com atraso, gera impacto no nosso negócio. Mas não desistimos. Fizemos redução de custos. Se for preciso, o microempresário trabalha 24 horas por dia para manter seu padrão — relata Sandra.
Analistas mencionam que a renda tende a crescer mais caso a economia ganhe fôlego, especialmente a partir do próximo ano. Em 2019, o desempenho de diversos setores que compõem o Produto Interno Bruto (PIB) vem frustrando expectativas no país.
Para o economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank, a recuperação passa pelo avanço de “questões estruturais”, como a agenda de reformas e processos de privatização. Segundo o analista, a proposta de mudanças no sistema previdenciário, se aprovada no Congresso, impedirá a piora no quadro fiscal do país, mas não resolverá todos os problemas que abalam o crescimento do PIB.
— Equilibrar as contas é condição fundamental para a retomada. A reforma da Previdência é absolutamente necessária, o primeiro passo, mas não é a bala de prata. O país está tentando girar a chave para que o setor privado tenha maior protagonismo — diz Frank.
Além de o consumo das famílias ser abalado pela estagnação da renda e pelo desemprego, turbulências no cenário externo atingem as exportações, outra possível via de saída da crise, lembra o economista Pedro Dutra Fonseca, professor da UFRGS.
Diante disso, o governo deveria abrir espaço para investimentos públicos em áreas estratégicas, mesmo com o embaraço fiscal em que está inserido, avalia Fonseca.
— A questão é ver quem dará o pontapé inicial da retomada. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tem certo fôlego para novas obras. O investimento público em setores bem escolhidos pode ter sucesso. O Ministério da Infraestrutura pode ajudar nisso — aponta o professor.
Para Fonseca, o avanço da agenda de reformas tende a criar “ambiente mais favorável” no longo prazo, sem resolver os problemas imediatos no Brasil.
— O problema é que o país não tem como esperar diante do alto número de desempregados e das dificuldades de crescimento — frisa o economista.