18/10/2019 Charles Alcântara/Fenafisco
Num momento de fortes investidas contra a Receita Federal do Brasil, de questionamentos sobre a sua atuação e, simultaneamente, de avanço da tramitação de duas propostas de reforma tributária, uma na Câmara dos Deputados e outra no Senado Federal, eis que, paradoxalmente, abre-se uma fresta de oportunidade. Enfim, temos a oportunidade de fazer cumprir o comando constitucional que confere às atividades das administrações tributárias o atributo da essencialidade ao funcionamento do Estado.
Mercê de toda sorte de interferência e assédio, as administrações tributárias e os seus servidores fiscais carecem de garantias e prerrogativas que se lhes assegurem plenas condições para aplicarem as leis tributárias e enfrentarem um crime social ainda mais deletério que a odiosa corrupção: a sonegação fiscal.
É disso que cuida uma proposta inovadora elaborada em conjunto por oito entidades representativas de servidores públicos do Fisco Federal, Estadual, Distrital e Municipal. No documento, que as entidades oferecem ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados para que seja tratado no âmbito da reforma tributária, figuram, por exemplo, a autonomia das administrações tributárias e a previsão de edição de Lei Orgânica Nacional da Administração Tributária.
No momento em que se discute um novo desenho da tributação brasileira, não há como desconhecer a necessidade de institucionalizar a Administração Tributária em molde mais consentâneo com os parâmetros constitucionais delineados nos incisos XVIII e XXII do artigo 37 e no inciso IV do artigo 167, porque é preciso uma nova Administração Tributária para um novo sistema tributário. Noutras palavras, é necessário um sistema tributário progressivo que tribute menos o consumo dos pobres e mais a renda e o patrimônio dos ricos, e também necessária uma Administração Tributária com vigorosa índole pública, protegida da ingerência do poder político e econômico e, portanto, plenamente submetida à Lei, em especial aos princípios da impessoalidade, da legalidade, da moralidade e da probidade.
Foi nesse sentido e com esse propósito que, no último dia 2 de outubro, as oito entidades representativas do Fisco brasileiro - a despeito de suas distintas percepções e teses sobre a organização das administrações tributárias - formularam um inédito e histórico documento propondo um novo desenho para as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
No esoterismo, no misticismo, na espiritualidade ou mesmo na numerologia, o número “8” tem significados especialmente convergentes com o significado da proposta de consenso elaborada pelas oito entidades. O número 8 está ligado ao equilíbrio, à justiça, à mediação, a uma posição intermediária entre distintas e até mesmo antagônicas visões. Em posição horizontal, o “8” remete à ideia de infinito, ilimitado.
Sei das resistências que enfrentaremos daqui por diante para materializar essa nova Administração Tributária desenhada pelas oito entidades, mas o esforço que resultou no documento coletivo é uma prova irrefutável da infinita e ilimitada capacidade humana de produzir novas sínteses em meio a tantas antíteses, desde que as pessoas ou as entidades se abram com sinceridade ao entendimento, à mediação e à busca por uma solução intermediária que consiga ao mesmo tempo desagradar e agradar, mas que tenha o condão de resultar em avanço para toda a coletividade.
Numa quadra histórica marcada por acentuados divisionismo, segregacionismo e intolerância, ganha ainda mais relevância o esforço pela celebração de pactos, ao menos de convivência. O pacto celebrado pelas oito entidades do Fisco, mais do que um alento nesses tempos de desinteligências, oferece uma extraordinária solução para fortalecer a esfera pública e aprimorar as administrações tributárias brasileiras.
* Presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco).