12/11/2019 Gaúcha ZH
Com a adoção das medidas previstas na reforma da Previdência e no pacote do governo Eduardo Leite — que deve ser enviado à Assembleia Legislativa até quarta-feira (13) —, a Secretaria Estadual da Fazenda projeta economia de R$ 17 bilhões em uma década. A soma equivale a 14 folhas salariais líquidas do Executivo e representa 12% do rombo previdenciário estimado pelo órgão no período.
Em 2019, até agosto, a Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage) registrou déficit de R$ 8,1 bilhões no regime financeiro de repartição simples, incluindo civis e militares. Trata-se do regime mais antigo e custoso, que já não recebe novos servidores. Descontada a inflação, o montante é 3,8% maior do que o contabilizado no mesmo intervalo de 2018 e corresponde ao dobro do orçamento anual da saúde. A perspectiva da Cage é de que, no fim do ano, a conta chegue a R$ 12,2 bilhões.
Secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso reconhece que as mudanças sugeridas "estão longe de resolver a situação", mas argumenta que são fundamentais para superar a crise.
— Todos os meses, o Estado é obrigado a aportar cerca de R$ 1 bilhão no regime previdenciário para cobrir o déficit. É quase 50% da nossa arrecadação líquida de ICMS, uma despesa extremamente pesada — ressalta Cardoso.
Em teoria, as contribuições dos profissionais em atividade deveriam ser suficientes para financiar os benefícios dos inativos, mas na prática isso não ocorre há anos. Por essa razão, o Estado tem de injetar recursos extras para assegurar os benefícios dos funcionários aposentados.
Em 2018, segundo a Cage, esse valor chegou a R$ 11,65 bilhões, 30,8% da receita corrente líquida. Parte do problema se explica pelo fato de que, no passado, os gestores demoraram a fazer ajustes para garantir sustentabilidade ao sistema. Até meados da década de 1990, os servidores não contribuíam para a aposentadoria (apenas para o custeio das pensões e do plano de saúde do IPE).
Em 2011, foi criado um fundo de capitalização e, em 2015, um plano de previdência complementar, que passaram a contemplar novos quadros. As alíquotas foram ampliadas ao longo do tempo, chegando a 14%, mas o cenário seguiu piorando, porque o número de inativos superou o de ativos — condição que pode ser agravada pela corrida por aposentadorias nas últimas semanas.
Para atenuar o desequilíbrio, Leite quer cobrar contribuição de servidores aposentados que ganham acima de um salário mínimo, aplicar alíquotas progressivas crescentes e adotar pontos da reforma federal (veja detalhes abaixo). Se tudo for aprovado, a Fazenda estima que o valor poupado no primeiro ano será de R$ 1,4 bilhão (equivalente a uma folha líquida mensal do Executivo).
Especialista em finanças públicas, o economista Raul Velloso avalia que o resultado previsto pelo governo é insuficiente diante dos sacrifícios exigidos.
— O governo está tomando medidas duras, mas não está dando aos servidores a garantia de que o problema será de fato resolvido, o que pode dificultar a aprovação dos projetos. Esse é um erro comum. Se conseguir aval do Legislativo, vai, no máximo, ganhar algum fôlego. O déficit não será equacionado — pondera Velloso.
O conjunto de propostas é alvo de críticas de entidades como a União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, que contesta os dados do governo e defende alterações no pacote.
A União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública (UG) — que congrega 25 órgãos representativos do funcionalismo — produziu um documento contrapondo os dados que embasam o pacote. Por discordar dos números, a entidade questiona as medidas.
Elaborada por especialistas, a análise foi entregue à cúpula do Palácio Piratini em reunião no último dia 31, na Capital. Após o encontro, o presidente da UG, Cláudio Martinewski, disse esperar uma revisão.
Eles (integrantes do governo) elogiaram a entrega da nossa nota como muito pertinente. Isso vai fazer com que revejam algumas das questões do pacote que, segundo eles, ainda não está finalizado — declarou Martinewski, em vídeo postado no Facebook.
Em 15 pontos, a UG sustenta que há inconsistências nas contas, números divergentes, omissões e superestimação do déficit atuarial. Os cálculos, segundo o secretário-geral da entidade, Filipe Leiria, foram feitos com base em legislação defasada, o que agrava os resultados. Leiria também reclama da ausência de detalhamento técnico e diz que o governo não deposita a cota patronal de forma correta.
— A primeira coisa que identificamos foi a falta de transparência. Não encontramos a memória os cálculos atuariais, e os números sequer foram submetidos ao conselho de administração do IPE-Prev. Além disso, a projeção do governo ignora a legislação vigente. O déficit cairá pela metade a partir de 2020 — afirma Leiria.
Por meio de nota, o governo informa que o documento da UG está sendo analisado. Conforme o texto, o Piratini "reafirma que todas as avaliações atuariais do IPE-Prev estão atualizadas, estritamente de acordo com as legislações aplicáveis e homologadas". Segundo a nota, "os estudos de impactos financeiros e atuariais das reformas também seguiram parâmetros técnicos" e "eventuais dúvidas têm sido esclarecidas e assim continuarão em avaliação, como parte do processo de debate que o governo tem estabelecido".
Em 2019, o dado oficial mais recente é de agosto. Confira a evolução nos últimos cinco anos, no mesmo período.
De janeiro a agosto (em R$ bilhões)*
Variação nominal (2018-2019): 7,4%
Variação real (2018-2019): 3,8%
* Valores referentes ao regime financeiro de repartição simples (civis e militares).
R$ 12,2 bilhões é a previsão atualizada do governo até o fim do ano.*
* A União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública (UG) trabalha com outra projeção, de R$ 11,3 bilhões.
O déficit se dá quando as despesas previdenciárias (gastos com aposentadorias e pensões) superam as receitas previdenciárias (contribuições de ativos, inativos e pensionistas, mais a cota patronal). O governo é obrigado a cobrir a diferença.
Considerando a previsão oficial de R$ 12,2 bilhões em 2019, o déficit será o triplo do orçamento da saúde e deverá superar o rombo de 2018 (R$ 11,65 bilhões).
Os gráficos a seguir mostram a evolução do número de servidores ativos e inativos. Em 2008, a maioria ainda estava em atividade, mas já havia déficit.
Fontes: Relatórios resumidos de execução orçamentária e Boletim informativo de pessoal nº 192, de junho de 2019.
Ampliar a base de cálculo das contribuições de inativos e pensionistas, enquanto persistir déficit atuarial. Hoje, só contribuem os aposentados do Estado que ganham acima do teto do INSS (R$ 5,8 mil). A intenção é estender a cobrança aos inativos que ganham a partir de um salário mínimo (R$ 998).
Os servidores ativos contribuem com 14%, assim como os inativos que ganham acima do teto do INSS, tanto civis como militares. A intenção é ampliar o percentual, com alíquotas progressivas. Conforme o governo, a alíquota efetiva máxima será de 16,67% para os proventos mais altos de todos os poderes. Os inativos que recebem até o teto do INSS terão alíquota efetiva máxima de 11,61%.
O governo pretende replicar medidas da reforma federal e adotar os parâmetros de inatividade previstos para os militares no projeto de Lei 1.645, que altera o sistema de proteção social das Forças Armadas. Principais mudanças:
Servidores civis
Poderão se aposentar com 62 anos (mulheres) e 65 (homens), com regras de transição. Hoje, é possível com 55 e 60, respectivamente. O tempo de contribuição cairá de 30 (mulheres) e 35 anos (homens) para 25, nesse caso com direito a 70% da média das remunerações. Para se aposentar com 100% da média, será preciso ter 40 anos de contribuição. Será proibido incorporar funções gratificadas (FGs).
Servidores militares
O tempo mínimo de serviço subirá de 30 (homens) e 25 anos (mulheres) para 35 anos, com 30 de atividade militar, para homens e mulheres, sem idade mínima (como hoje) e sem poder incorporar FGs. Embora o projeto federal amplie a contribuição de militares das Forças Armadas de 7,5% a 10,5%, o Piratini não pretende adotar esses índices. Aqui, militares já contribuem com 14%.
Professores
Poderão se aposentar aos 57 anos (mulheres) e aos 60 (homens), com 25 de contribuição, 10 de serviço público e cinco no cargo. Hoje, isso é possível aos 50 (mulheres) e 55 (homens) com 25 e 30 anos de contribuição, respectivamente.
R$ 1,4 bilhão no primeiro ano de vigência das alterações
R$ 17 bilhões em 10 anos