18/12/2019 Altemir Feltrin/Sindifisco-RS
A Administração Tributária do Rio Grande do Sul, após uma longa preparação e empenho das Entidades representativas e da própria administração, aprovou a Lei Orgânica da Administração Tributária do Estado do Rio Grande do Sul, a LOAT, materializada no Lei Complementar nº 13.452, de 26 de abril de 2010, disciplinando o regime jurídico dos cargos da carreira de Auditor-Fiscal da Receita Estadual. A LOAT representou um significativo avanço na valorização da carreira, sendo também considerada como um marco fundador, pois foi uma das primeiras Leis Orgânicas da Administração Tributária dentre os Estados brasileiros.
Dentro desta Lei, restaram ainda alguns dispositivos para regulamentação futura, o que é o objeto deste relato, a ação sindical que se deu em prol da regulamentação da Gratificação de Substituição - GS, prevista no artigo 83, I, “b”, entre outras ações realizadas do período.
No artigo 85 abaixo, a GS foi direcionada para ser efetivada por regulamento.
“Art. 85. O Agente Fiscal do Tesouro do Estado*, quando exercer a acumulação de suas
funções com as de outro cargo da carreira, ainda que parcialmente, perceberá, a título de
gratificação de que trata a alínea “b” do inciso I do art. 83, até o limite de um 1/3 (um terço) do vencimento de seu cargo por período mensal de substituição, proporcionalmente à extensão das atribuições assumidas, nos termos do regulamento.”
* Na época o nome ainda era Agente Fiscal, posteriormente alterado para Auditor Fiscal da Receita Estadual.
Entretanto, surgiram uma série de entraves que impediram a pronta implementação, tornando-se ela uma pauta de reivindicação da categoria, presente nas negociações do sindicato a partir de então.
A Incorporação da Produtividade
Seguiu-se o próximo governo do Estado no período de 2011 a 2014 e, no decorrer, outra pauta da categoria viria a se sobrepor: a incorporação de parte da produtividade. Tal problema surgiu da composição da remuneração dos Auditores Fiscais do RS, formada por uma parte básica, que é valor fixo, e a produtividade variável, o Prêmio de Produtividade e Eficiência, PPE, que sofre acréscimos ao longo do tempo. Sobre o PPE, não incidem vantagens temporais e ele estava se tornando proporcionalmente o maior item da remuneração. A predominância do PPE, além do problema relatado, torna a remuneração mais frágil, em especial para os inativos, haja vista tratar-se de uma produtividade. Disto decorreu a necessidade prioritária de se fazer a incorporação de uma parte da produtividade no básico, conforme estabelecido em reuniões do Conselho das Comissões Sindicais - CCS. A partir disso, seguiram-se as negociações com o governo de então.
Tal estratégia teve bom resultado e se materializou na edição da Lei nº 13.887, de 29 de dezembro de 2011, pela qual se dava a previsão da incorporação parcelada do PPE no básico, da seguinte forma:
a) 15% (quinze por cento), em 1º de janeiro de 2012;
b) 15% (quinze por cento), em 1º de janeiro de 2013; e
c) 15% (quinze por cento), em 1º de janeiro de 2014.
Desta forma ficaram garantidas as reposições salariais do período, haja vista que a cada incorporação de 15%, havia a ampliação do valor da remuneração básica sobre a qual se verifica a incidência de vantagens temporais. Por fim, se obteve a incorporação de 45% da produtividade, abrindo-se espaço futuro nesta forma de remuneração para mais crescimento a partir do atingimento de metas baseadas em indicadores da administração tributária que trazem mais receita para o Estado.
A Gratificação de Substituição
Mas a reivindicação em torno da regulamentação da Gratificação de Substituição continuava na pauta. É importante dizer aqui que esta forma de gratificação já estava implementada para outras categorias, a exemplo dos procuradores do Estado e dos delegados de polícia. Contudo, dentro da Secretaria da Fazenda, para os Auditores Fiscais, havia uma forte resistência à implementação.
Por fim, se conseguiu a edição do Decreto nº 52.185, de 19 de dezembro de 2014, ou seja, já ao apagar das luzes do período de governo. Entretanto, ficaria ainda pendente a edição de portarias fixando a lotação dos Auditores, para que se pudesse auferir a efetividade das substituições, entre outras complexidades que envolveriam a atuação dos Auditores Fiscais nas outras áreas da SEFAZ, tais como o Tesouro, a Contadoria, as Supervisões, entre outras. O Decreto também estabeleceu uma forma de cálculo que reduzia o valor possível da gratificação.
Os Atrasos Salariais e os Bloqueios de Recursos do Estado
Entrava-se em um próximo período de governo, de 2015 a 2018, momento em que se agravou a crise financeira do Estado. A realidade para os servidores do Executivo estadual passou a se materializar na forma de atrasos no recebimento dos salários. A nova administração não admitia falar em qualquer forma de recomposição salarial ou mesmo da implementação da Gratificação de Substituição. A partir disso, o Sindifisco RS desenvolveu a estratégia jurídica de obter bloqueios de recursos nas contas do Estado, mediante a execução de um processo judicial, obtido já a mais tempo em governos anteriores, que determinava o pagamento em dia para a categoria. Diga-se de passagem, a única categoria que obteve este tipo de decisão judicial. Desta forma, o Sindifisco RS conseguia impulsionar a execução, efetuar bloqueios e antecipar pagamentos para seus filiados em relação ao calendário atrasado proposto pelo governo de então.
O cenário era absolutamente adverso. O governo propagava a crise como forma de impor seu ajuste fiscal, permeando todo e seu discurso sobre este tema. A ideia única passou a ser a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal – RRF, regime severo proposto pelo Tesouro Nacional, em meio a uma forte crise federativa.
As Cinco Receitas
Dentro deste quadro de severa dificuldade, o Sindifisco RS formulou uma proposta com cinco alternativas para a saída da crise, que passou a ser conhecida com as “Cinco Receitas para Combater a Crise do Rio Grande do Sul”. Estas propostas podem ser encontradas no site www.sindifisco-rs.org.br/alternativas/. Já no início de 2015, com a formulação das alternativas, foi montada uma estratégia de divulgação, com bastante investimento na mídia, rádio, jornais, redes sociais e impressos para distribuição, o que passou a interessar aos políticos e a outras categorias do Estado. Assim sendo, o Sindifisco RS passou a propor e a ser referência, demandado a fazer apresentações detalhadas das alternativas, a deputados, autoridades do governo, sindicatos e associações e a futuros candidatos. A estratégia rendeu uma inquestionável forma de valorização da categoria. Mas o jogo continuava duro.
O governo não se dispunha a ouvir qualquer reivindicação, nem atendia aos pedidos de audiência. Dentro do Legislativo gaúcho, passou a ter dificuldades em aprovar os quesitos para a adesão ao Regime (RRF). Sua base passou a ser instável, em especial nas questões mais difíceis que envolviam a privatização de estatais exigidas para adesão ao Plano.
O Sindifisco RS então investiu em uma linha crítica ao RRF, alertando sobre seus pontos negativos, suas inconsistências e a perda de autonomia, salientando a face negativa e intervencionista do RRF. Com isso, além de divulgar as Cinco Receitas, passou colocar na mídia impressa o seu enfoque crítico ao RRF. A crítica fez o governo perder terreno político e a reconsiderar sua relação com o sindicato. Somente nesta ocasião o sindicato foi chamado, houve espaço para audiência e negociação em torno da Gratificação de Substituição.
Ainda haveria um longo caminho a ser percorrido até a edição de adequação de Decretos e das Resoluções, em que alguns conflitos internos foram superados, exigindo bastante esforço, tanto do sindicato quanto da administração, mas por fim, em 2018, a Gratificação Substituição passou a ser efetivada para a categoria.
A Luta em Torno do Novo Teto
Ao final de 2018, no Congresso Nacional, foi aprovado o reajuste de 16,38% para o subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), passando a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2019. Na Assembleia Legislativa gaúcha, não havia apoio para a aprovação de tal aumento aos desembargadores. Tomando por base uma liminar do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, o Tribunal de Justiça do RS estabeleceu uma Resolução, aplicando o índice de 16,38% aos subsídios dos desembargadores e juízes gaúchos.
Este é um caso bem interessante de ação sindical, pois conjugou uma ação judicial com ações administrativas junto ao governo e demais poderes, em diferentes órgãos.
Mas, segue o relato do caso. A Constituição Estadual estabelece, no artigo nº 33, § 1.º, que “a remuneração dos servidores públicos do Estado e os subsídios dos membros de qualquer dos Poderes, do Tribunal de Contas, do Ministério Público, dos Procuradores, dos Defensores Públicos, dos detentores de mandato eletivo e dos Secretários de Estado, estabelecidos conforme o § 4° do art. 39 da Constituição Federal, somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, sendo assegurada através de lei de iniciativa do Poder Executivo a revisão geral anual da remuneração de todos os agentes públicos, civis e militares, ativos, inativos e pensionistas, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.
Contudo, a mesma Constituição, no artigo nº 33, § 8.º, estabelece que “para fins do disposto no art. 37, § 12, da Constituição Federal, fica fixado como limite único, no âmbito de qualquer dos Poderes, do Ministério Público e do Tribunal de Contas, o subsídio mensal, em espécie, dos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, não se aplicando o disposto neste parágrafo aos subsídios dos Deputados Estaduais”. Assim sendo, o teto dos servidores do Executivo deveria ser o valor do subsídio mensal, em espécie dos desembargadores. Mas o governo estadual não entendeu assim, haja vista que o reajuste dado aos desembargadores não havia observado o ditame do § 1º, pois não foi estatuído por lei, mas por resolução. Com base nesta interpretação, o governo determinou a não efetivação da elevação do teto de corte dos vencimentos dos servidores do Executivo, na forma prevista no §8º.
Diante do prejuízo causado aos filiados, o Sindifisco RS, reunido com Associação dos Oficiais da Brigada Militar, da Associação dos Auditores Fiscais – Afisvec e do Sindicato dos Auditores do Estado, formulou um Mandato de Segurança contra ato do governador em busca de liminar para remediar o caso. Entretanto, a liminar não foi deferida pelo desembargador a quem foi designado o caso. Não havia outro caminho senão agravar a decisão. No decorrer do período também se seguiram vários contatos e reuniões nas subsecretarias do Tesouro, da Contadoria, da Receita Estadual e no gabinete do Secretário, na Procuradoria-Geral do Estado, no próprio Tribunal, buscando-se um entendimento para a correta aplicação do dispositivo. É de se ressaltar que a situação era de grande injustiça, tendo em vista que no Ministério Público também houve a aplicação do reajuste por resolução; no Tribunal de contas, da mesma forma houve o reajuste e a aplicação do novo teto, bem como aos servidores da Assembleia Legislativa. Ademais disso, considere-se que a Procuradoria-Geral do Estado, com base em um acordo judicial com o Tribunal de Justiça, processo no qual, a medida em que os procuradores tem seus vencimentos acrescidos, acima do teto, se lhes é concedido o limite de 100% do subsídio do Ministro do Supremo Tribunal Federal. Simultaneamente, a Procuradoria-Geral do Estado, por resolução interna, regulou a distribuição dos honorários aos procuradores, considerados como verbas privadas, dispensando a exigência de lei. Toda essa situação gerou revolta nas categorias, e os presidentes das categorias signatárias do Mandato de Segurança agendaram reunião com o procurador-geral do Estado. Neste momento, houve a sensibilização do governo e foram feitos os contatos necessários envolvendo os chefes de poder, o que redundou na expedição da liminar que finalmente determinou ao Executivo a aplicação no novo teto aos filiados do Sindifisco RS e demais entidades referidas que atuaram em conjunto no caso.
Considerações Finais
Durante todo o período relatado, as diferentes diretorias do Sindifisco RS buscaram sedimentar a unidade da categoria. A tarefa não foi e não é fácil, haja vista que existem diversos grupos com interesses próprios, gerados principalmente pelas alterações previdenciárias. Sabemos que os direitos são diferentes: colegas com direito a paridade e integralidade; colegas com direito a integralidade com aposentadoria calculada pelas médias; e colegas com a aposentadoria limitada ao teto do INSS e que podem optar pela aposentadoria complementar.
Neste quadro complexo, que envolve também diferenças geracionais, a Diretoria, juntamente com o Conselho das Comissões Sindicais (CCS) estabelece a pauta de reivindicações, procurando compor diferentes demandas, absorvendo e canalizando as pressões internas em um difícil processo democrático de discussão e negociação. Há aqui que se ressaltar a importância do papel dos sindicatos, pois estes funcionam como uma instância de aprendizado e convivência, discussão e elaboração de propostas e alternativas para a administração. Do contrário, essas pressões e desentendimentos seriam diretamente extravasados no ambiente de trabalho, podendo ensejar ações radicais em momentos e locais não adequados, causando conflitos internos mais sérios e bem menor perspectiva para soluções criativas e inovadoras.
Do relato feito, partiu-se da conquista da Lei Orgânica (LOAT), instrumento que valorizou a categoria e a Administração Tributária do RS. A LOAT foi estabelecida já de início a partir de uma ação conjunta e contemplou equitativamente a todos os segmentos da categoria. Depois disso, pode-se relatar a conquista da incorporação da produtividade (PPE), pauta que contemplou a todos os segmentos, porém trazendo um ganho um pouco maior para os Auditores com mais tempo de casa por força da incidência de vantagens temporais. A seguir, com a implantação da Gratificação de Substituição, houve um acréscimo salarial para os Auditores ativos, haja vista a natureza da gratificação. No caso da luta pelo novo teto salarial, houve um ganho maior para quem atualmente está sujeito ao limite, que são os Auditores mais antigos e os inativos, contudo, abrindo espaço para o crescimento da remuneração dos mais jovens. Em todos os casos relatados, porém, além do ganho financeiro, foi mantida a premissa da manutenção da unidade interna, da dignidade de todos os diferentes segmentos e a valorização de toda a categoria. E esta é a premissa fundamental, a valorização da categoria é o fortalecimento da Administração Tributária e a força da Administração Tributária traz mais meios para o Estado no cumprimento de suas funções.
O artigo foi publicado originalmente no livro "Sindicalismo no Fisco Estadual e Distrital - Breves Relatos", publicado pela Fenafisco.